domingo, 30 de setembro de 2007

Crônica: Saudades…

Lembro-me muito pouco da saudade que senti por muitas coisas que tive, pois prefiro tê-la por ocasiões, pessoas e lugares. Força que, muitas vezes, é carregada no inconsciente, a saudade sofre a constante platitude dos termos vulgarizados. A mais latente e que menos demonstro é a da infância, um tempo bom. São muitas as minhas histórias, mas a que mais me impressiona é a da primeira consciência da morte. Tinha quatro ou cinco anos e morava ainda no Brejo Grande (distrito de Santana do Cariri), quando parei para imaginá-la, sob obnóxia face corvina, como ave que surgia em meus sonhos. Vinha por detrás de morro que sustentava uma casa solitária em chamas, manchava a noite com velocidade e vermelhidão, e por fim desaparecia; acordava, então, assustado com aquele pesadelo que se repetira por várias noites de minha meninice. Era terrível ter de assistir a toda aquela cena novamente, uma inevitável chaga noturna. Não a notava personificada, nem mesmo a sabia definir precisamente, mas sentia todos os pecados do mundo em seu gesto rápido e áspero de abrir as asas e alçar vôo. Lembro-me, quase como uma pintura, da figura disforme, uma mancha rubra, pintada por seu contorno falho de ave infernal. Era freqüente acordar banhado de suor, com falta de ar terrível e com aquela imagem atordoante em mente. Por sinal, a dispnéia acompanhou-me por muito tempo de puerícia.

Quando vim morar no Crato, a recorrência da morte apareceu-me mais clara. Um pouco mais esperto, passei a refletir (quem diria que um menino tomaria instante para isso?) sobre a sua inevitabilidade; foi, com toda certeza, um momento de profunda tristeza: conhecer o destino de qualquer vivente, "abandonar" tudo e partir a algum canto desconhecido. Foi nessa ocasião que me meteram na cabeça alguma religião, e assimilei inicialmente a que era mais propagada em minha família e em muitas outras no Brasil: o Catolicismo. As muitas inquietudes infantis logo trataram de afastar-me de tais pensamentos, e acabei apreendendo a morte.

Tive muitas saudades, que são agora ultrapassadas e motivo de meu riso íntimo. Lembro-me de quando deixei a minha primeira escola, a Fundação Educacional Presbiteriana Prof. Natanael Cortez, para cursar, a partir da quinta série do fundamental, o resto do meu ensino no Colégio Objetivo. Nessa época, sentia uma saudade enorme daquela escola que era vestida em modelo religioso, como o nome aponta. O convívio com novas amizades e um novo modelo de ensino logo arrefeceu qualquer vestígio da saudade ordinária. A partir de então, ela tornou-se sentimento passadiço, curtas lembranças saudáveis do vivido. Concluí, há pouco, o ensino médio, e tratei de jugular a iminente lembrança de uma turma que estava prestes a tornar-se saudade. Por aprendizado anterior, essas e outras lembranças tornaram-se deveras, em minha memória, figuras vivas, coloridas, algumas pictóricas, mas que, acima de tudo, não são nada além de boas recordações.

(Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

Obs.: Texto de domingo quente e seco, esta cidade está assim nestes dias. Ainda tenho de preparar uma redação, uma crônica, para ser corrigida nesta quarta-feira, sobre saudade (tema sugestivo e de grande amplitude), sentimento coletivo, de natureza comum aos brasileiros, que, cônscios de seu poder, constroem suas histórias de vida e valem-se de suas saudades. Acabei escrevendo este texto, fruto de vontade intempestiva. Estava eu navegando pela Internet, quando entrei a escrevê-lo, quase que inconscientemente do início dessa ação.

sábado, 29 de setembro de 2007

Crônica: A Última Crônica

A Última Crônica

Fernando Sabino

A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.

Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.

Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho - um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular. A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.

São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "Parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura - ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido - vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

Crônica publicada no livro "A Companheira de viagem" (Editora Record, 1965)

(fonte: almacarioca.com.br)

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Crônica: Crônica rápida, pois o tempo é curto e viperino!

Costumo andar pelas ruas desta grande cidade imaginária, que é constuída e demolida, a cada dia, pelo tempo cruel. Como, bebo, falo e, enfim, vivo o tempo dos homens que correm, crescem, caem e explodem. A agitação dos meus avós, quando jovens, era tempo de eleição ou chegada de circo, mas agora o sono é coisa rara, a reflexão brota de fontes escassas; são privilégios de quem possui dinheiro. Ainda bem que eles, meus avós, já morreram em calmaria, pois teriam morte mais cruel em tempos hodiernos.

Eu, quando estou indo à faculdade, também corro, mas para não ser pisoteado. É a hora do encilhamento! É corrida de rota traçada, o modelo automático, às sete horas matinais. Não encontro amigos nesse enxame, pois há horas, minutos e segundos reservados para eles. Às vezes, paro, quando ainda rezo e preparo o meu pouco sono, e percebo as crueldades do tempo, que nos lassa o corpo e só nos mostra a sua corrupção em tal momento. Ah! Lembrei que assim dizia meu avô: "O sono, meu neto, é o protótipo da morte". Só agora percebo que, contrariando-o, vivo apenas aos domingos e enquanto durmo, e ele assim falava, pois cedo madrugava. Aos domingos, quando tenho uma eternidade azul à minha espera, enlatada em poucas horas, sinto-me ausente das responsabilidades da semana e procuro jornais velhos (ora! todos os jornais são velhos!), escritos que me façam ir contra o tempo; é momento de anarquia pessoal à semana morta, cujo réu confesso é o odioso deus Cronos. A liberdade que, longe do vento efêmero trespassando as ruas, mostra-me agora o momento da escrita, o velho álbum de família e os antigos contos de meu avô, que, com eterna calma, tomava o seu café, enquanto os escrevia (Oh! grande presente deixou-me, esses contos amarelos); assim não mais fará daqui a algumas horas. Surge, então, o meu desespero, que é ver a minha quase mãe despedir-se serena e triste, em noite moribunda; é a partida do meu afago, de minha paz e de mim mesmo.

(Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

Obs: Escrevo os outros que me visitam a mente, roubam-me o tempo e abastecem-me o repertório narrativo, não só para esta crônica, que é fruto de um limite de 30 linhas em folha de redação, mas para as futuras que serão maiores, mais livres e mais reveladoras. Lembro-vos que não há semelhança alguma entre esses outros que vos conto e mim. Quem sabe, quando estiver mais maduro, escreverei sobre minha infância, minhas traquinagens e outras coisas que presenciei. Penso ainda em escrever sobre meu pai e as histórias de sua infância. Sou ainda muito jovem e tenho, pois, de viver muito para compor melhor meu repertório. Um abraço deste que vos escreve, e agradeço-te, leitor acidental, que topou com este blogue e passou a odiá-lo ou a estimá-lo.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

Pedra do Reino, mais sobre Messianismo.

Antonio Carlos Olivieri*
Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Homenagem aos 80 anos de Ariano Suassuna, que se completam a 16 de junho de 2007, a microssérie "Pedra do Reino" que estreou na Rede Globo no dia 12 de junho, nos remete a dois episódios históricos extraordinários, que não devem ficar subentendidos nas entrelinhas da trama do espetáculo televisivo.

O primeiro deles, diretamente ligado ao seriado, aconteceu entre 1835 e 1838, no sertão de Pernambuco, em região que atualmente pertence ao município de São José de Belmonte, a 479 quilômetros de Recife. Lá se erguem dois pináculos rochosos paralelos, com cerca de cinco metros de altura, incrustados de minérios que refletem a luz do Sol.

Sobre estes fatos, não só Suassuna escreveu essa obra-prima que é "O Romance da Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai e Volta". Além dele, Euclides da Cunha também faz menção ao fato em "Os Sertões", bem como José Lins do Rego dedicou um romance ao tema, intitulado "Pedra Bonita".

Dom Sebastião, o Desejado

Mas os fatos trágicos e sangrentos que aconteceram na Pedra Bonita, no século 19, estão ligados a outros, não menos trágicos e sangrentos, que ocorreram em Portugal e no Marrocos, no século 16. Estes deram origem a um fenômeno mitológico-religioso chamado sebastianismo, um messianismo lusitano, que também se arraigou no sertão nordestino desde a época da Colônia.

Grosso modo, messianismo é a crença na vinda de um messias, de um redentor, que vai redimir os homens de seus pecados e conduzi-los a um outro reino ou mundo, onde a felicidade prevalece. O messianismo sebastianista foi gerado a partir de diversas circunstâncias históricas.

Governado por dom João 3º., o rei que deu início à colonização do Brasil, Portugal corria o risco de ver seu trono parar nas mãos de um espanhol, caso o monarca não deixasse um sucessor ou herdeiro. O nascimento de um neto de dom João - dom Sebastião - em 1554 resolveu temporariamente o problema.
Ainda antes de nascer, dom Sebastião se tornou conhecido por "o Desejado", uma vez que personificava o desejo coletivo de independência portuguesa. Aos três anos foi aclamado rei de Portugal, embora o governo propriamente dito ficasse nas mãos de um regente, até que ele atingiu os 14 anos e subiu ao trono.

Ascenção aos céus e o Quinto Império

Entre outros presentes que recebeu, então, ganhou de um poeta uma singela obra que lhe foi dedicada: nada menos que a maior epopéia da língua portuguesa, "Os Lusíadas", que Luís de Camões lhe ofertou. Mas nem tudo foi esplendor na vida de dom Sebastião. Profundamente religioso, animado pelas histórias heróicas de combate contra os muçulmanos, o jovem soberano resolveu conquistar o Marrocos para a cristandade.

Na batalha de Alcácer-Quibir, contra os mouros, em 1578, foi morto com a maioria das tropas lusitanas. Para os portugueses o trauma foi enorme, até porque, dois anos depois, o trono luso passaria às mãos do rei Felipe 2º. da Espanha. A reação da nação lusitana aos fatos se deu no nível do imaginário e nasceu um mito.

Segundo a lenda, em meio ao caos da batalha no Marrocos, os céus se abriram e uma legião de anjos levou dom Sebastião para o lado de Deus, de onde ele haveria de retornar, como redentor do povo português. O Quinto Império - reinado mítico de dom Sebastião - se caracterizaria pela justiça e a fartura.

O monarca no Nordesde

Pois bem, esse mito foi trazido pelos colonizadores ao Nordeste do Brasil e também comoveu os habitantes da região, uma vez que, como Portugal, a colônia brasileira permaneceu sob domínio espanhol até 1640.

As manifestações coletivas do sebastianismo em solo brasileiro, porém, só aconteceriam no século 19, em Pernambuco e na Bahia. Foram os episódios do Rodeador, no atual município de Bonito (PE), em 1819, o Reino da Pedra Bonita, já mencionado no início, e a Guerra de Canudos, de 1897-98.

Todos eles são manifestações de religiosidade e de insatisfação social de populações carentes, e tiveram desfecho trágico, com a intervenção do governo para acabar - a bala - com os agrupamentos que se formaram em torno dos "profetas" sertanejos. Na impossibilidade de comentar cada um deles, relate-se o caso de Pedra Bonita.

Sebastianismo caboclo

Em 1836, o mameluco João Antônio dos Santos passou a pregar que dom Sebastião estava encantado na Pedra Bonita, de onde era necessário libertá-lo, para que ele implantasse um reino de justiça, prosperidade e liberdade no sertão. Supõe-se que Santos não acreditava muito no que dizia e se aproveitava da credulidade da população local.

No entanto, o "reino" de João Antônio incomodou os fazendeiros, que perdiam seus trabalhadores para a Pedra Bonita, e a Igreja, que via a manifestação como blasfêmia. João Antônio fugiu do local e "exilou-se" no Ceará. Mas manteve viva a chama do sebastianismo em Pedra Bonita, por meio de seu cunhado João Ferreira.

Ao contrário de seu antecessor, Ferreira era um fanático, além de maníaco sexual. Para se ter uma idéia, todas as noivas de sua comunidade tinham que dormir com ele na primeira noite antes de casar-se. Ferreira, ademais, já era um polígamo consumado, tendo se casado com sete mulheres.

O delírio místico do auto-intitulado rei João Ferreira teve seu ápice quando ele proclamou que a Pedra só se desencantaria quando lavada por sangue. Os sacrificados ressuscitariam poderosos e imortais. A noção de fanatismo é suficientemente conhecida em nossa era de homens-bomba. Fanáticos não hesitam em dar a vida por suas crenças.

Sangue e fogo

O pai de João Ferreira foi o primeiro a se suicidar. Uma das mulheres do líder foi degolada por ele mesmo. A Pedra foi, de fato, lavada com sangue, mas não se desencantou. Foi o que bastou para Pedro Antônio, um cunhado de Ferreira, declarar que a Pedra reclamava o sacrifico do próprio rei. João Ferreira foi brutalmente assassinado pelos seus seguidores e Pedro Antônio proclamou-se o novo rei.

Contudo, um vaqueiro que presenciara os primeiros sacrifícios denunciou a tragédia às autoridades e uma tropa de 30 homens, comandada pelo major Manuel Pereira da Silva, dirigiu-se ao local para dispersar os fanáticos. Houve resistência e 30 fanáticos morreram, inclusive Pedro Antônio. Era o fim do Reino da Pedra Bonita, em maio de 1838.

A crença em dom Sebastião, entretanto, sobreviveu e se manifestaria nas pregações de Antônio Conselheiro, cerca de 40 anos depois. Seitas messiânicas, embora não sebastianistas, estiveram presentes em outras épocas e regiões tanto do Brasil quando do mundo. É célebre o caso do missionário norte-americano Jim Jones que, em 1978, levou 900 seguidores seus ao suicídio, numa comunidade na Guiana Francesa.

Em 1993, nos Estados Unidos, David Koresh, que se intitulava a reencarnação de Jesus, promoveu um verdadeiro inferno no rancho de madeira, onde ficava a seita Branch Davidian. Seduzindo os seguidores com a filosofia de que deveriam morrer para depois ressuscitar das cinzas, derramou combustível no rancho e ateou fogo, matando 80 pessoas, incluindo 18 crianças.

*Antonio Carlos Olivieri é escritor, jornalista e diretor da Página 3 Pedagogia & Comunicação. olivieri@pagina3ped.com

(fonte: vestibular.uol.com.br)

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Nova técnica cirúrgica melhora vida de pacientes com câncer de pescoço

Por Fábio Reynol

29/08/2007

Uma nova técnica cirúrgica desenvolvida por médicos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) vem mudando o pós-operatório de pacientes com câncer na região da cabeça e do pescoço. Chamada de linfonodo sentinela, a nova cirurgia vem sendo desenvolvida desde o ano 2000 pela equipe do otorrinolaringologista Carlos Takahiro Chone. Após quase sete anos de pesquisa, a eficácia foi comprovada em 95% dos casos. Bem menos agressiva que o chamado esvaziamento cervical, a nova técnica retira somente os gânglios afetados pelo tumor. O grande desafio dos pesquisadores foi desenvolver um método para determinar quais seriam esses gânglios.

Células cancerosas são naturalmente drenadas pelo sistema linfático e acabam afetando os gânglios em que são depositadas. Como o cirurgião de cabeça e pescoço não tinha condições de determinar quais eram os acometidos, o tratamento exigia a retirada de muitos dos gânglios da região. A solução encontrada pela equipe de Chone foi adaptar uma técnica já empregada em cirurgias de câncer de mama e de melanoma. Uma substância radioativa, o tecnésio, é injetada diretamente no tumor, sendo drenado naturalmente para os gânglios ligados à região cancerosa. Uma sonda (gamma probe) é então colocada sobre a pele do pescoço do paciente. “Ela detecta o material radioativo e indica a localização dos gânglios que devem ser retirados”, explica o médico.

Ao possibilitar cortes bem menores e evitar a retirada de vários gânglios, a nova cirurgia é bem menos invasiva e, por isso, reduz o risco de infecções. Além disso, a técnica traz vantagens econômicas, resultado das cirurgias mais rápidas e o menor tempo de internação. Essa vantagem ajudou a nova cirurgia a ser incluída na cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS).

O atual objetivo da equipe, única no mundo a utilizar a linfonodo sentinela, é divulgá-la. O grupo, formado pelo otorrinolaringologista Agrício Crespo, pela patologista, Albina Altemani, pelos médicos nucleares Elba Etchebehere e Edvaldo Camargo, além do próprio Chone, vai promover um curso no fim de outubro na Unicamp voltado para cirurgiões dessa área.

A incidência dos tumores de boca e garganta está em terceiro lugar na população masculina brasileira, ficando atrás somente dos cânceres de próstata e de pulmão, respectivamente. Devido principalmente ao cigarro, esses tumores atingem cerca de 25 mil pessoas a cada ano no Brasil. Uma população que pode ganhar qualidade de vida com a nova técnica.

(fonte: comciencia.br)

sábado, 1 de setembro de 2007

Crônica: Adotam-se animais racionais.

Às manhãs, acumulo jornais surrados sobre uma escrivaninha, que, já corroída por cupins, sustenta muitas das histórias que leio e outras que escrevo. Hoje, fui acordado por raios de sol, que, como punhais de fogo, cingiram-me o corpo lasso de longa noite de trabalho; pois esquecera a janela do apartamento bem aberta. Que loucura! Que perigo! Pensei assim, a priori, sobre o acontecido, mas logo me acalmei devido a certeza de não ser roubado facilmente, por não haver também o que ser roubado. Outra surpresa acotovelou-me a vista, que ainda buscava prumo da fadiga latente de noite mal dormida; era um tipo canino taciturno que me olhava fixamente, como sofresse espécie de hipnose. O ser parecia julgar-me os movimentos, e, paulatinamente, fui-me recordando da compra deste animal, em noite anterior.

Como de praxe matinal, tomei lugar na escrivaninha e entrei a ler o jornal que assino. Por estranha coincidência, havia uma matéria sobre campanha de adoção de cães e bichanos abandonados. Em momento próprio, e como fui induzido, tracei a vista naquele animal anônimo, que, ainda inerte, parecia ter sido entregue à vida para deter os misteres de seus semelhantes: ter de "aprender" normas, que muitos julgam serem obedecidas por mero instinto animal; prender-se ao convívio de um dono e, acima de tudo, mostrar-se inerme a muitos dos donos que os usam como saco de pancadas. Em instantes, mergulhava em reflexão sobre o título que detemos: somos os subjugadores, os animais racionais. Quando me atinei à matéria jornalística, já em final de leitura, idealizei uma situação fantástica que representaria bem a mudez daquele animalzinho enigmático: a posse inversa. Muitos animais da matéria lida, entre outros, assumiriam o poder de escolher um dono, uma legítima adoção de animal racional. Bem que, em sociedade hodierna, o emblema da racionalidade não caberia adequadamente a ninguém; em quase profusão de toda aberração humana, o homem que está vestido em terno escatológico não merece sequer a propriedade de seres taciturnos e frágeis como este que me olha. Vivam estes tipos caninos e felinos, que agora podem, ao menos em meus pensamentos, adotar um animal racional!

(Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

Em curta passagem de enredo, estoura a cólera.

A priori, não identifiquei a fonte de tamanha confusão. Movido pelo temor escancarado nas faces das mulheres, trespassei ao lado da rua onde eu não podia ser visto por nenhum daqueles que ali estavam. Estava inquieto por duplo motivo: o atraso de minha condução, creio que haja conduções em plena madrugada de um domingo, e a debandada de vozes roucas e autoritárias mescladas aos gritos femininos que me mordiam os ouvidos. Agora, que o apaziguar das ações clareou-me a vista, noto a surra que duas moças levam na calçada oposta à fachada da "dancing"; impiedosamente três homens rotos, que espumam mais que os raivosos cachorros erradios que habitam as ruas nas madrugadas de Copacabana, espancam moças já deformadas pela profissão que lhes foi imposta, que é saciar os instintos animalescos dos homens; era o que diziam seus trajes fadados ao mister de serem retirados por outrens.

Costumo passar por esse cruzamento, ao voltar do trabalho, mas nunca notara a presença desses tipos, que agora saem presto em carro de luxo. É impressionante como os fatos são elásticos, pois parece que a cena retornou à diversão da danceteria, que ainda abriga pessoas que, indiferentes ou desconhecidas do fato, fruem da dança. Mais sossegado, atravesso a rua e sigo o meu rumo em busca de algum outro ponto de trajeto de alguma condução. Agora, quase uma quadra de distância da danceteria, escuto o barulho de uma explosão vindo de dentro, ou provavelmente dos arredores, daquele local. Foi a gota d'água que me transformou o dia em pesadelo, pois o meu falso julgo do que motivou a incipiente confusão dava-me sinais da muito recorrente violência do Rio, logo não achei que aquela confusão, aparentemente abafada, tomaria grandes proporções. Foi certamente uma bomba, não tive coragem de voltar. [...]

(Por Gustavo Henrique S. A. Luna)

A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.