terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Gramática: Predicação verbal e um pouco sobre complemento relativo.

     Pouco antes do Natal, mais precisamente em sua antevéspera, um dos membros do fórum Só Português trouxe dúvida que o angustiava bastante. Basicamente, ele tinha alguma dificuldade de reconhecer a transitividade dos verbos na oração. Sem esgotar o assunto, tratei de explicar de modo que não lhe restassem dúvidas. Sem me desviar do fim por que entrei a escrever, também introduzi, brevemente, o conceito de complemento relativo, infelizmente esquecido das gramáticas escolares.

Olá, ***. Devo dizer-te que, de fato, não existe nenhuma técnica infalível através da qual se possa identificar a transitividade dos verbos. A regência de muitos verbos é definida por servidão gramatical; o que se mostra nas gramáticas escolares é a descrição de regências, sem que haja razão para que um verbo ora seja transitivo direto, ora indireto. Em análise sintática, para que se classifique bem um verbo quanto a sua predicação, é importante reconhecer os demais termos da oração. Vou-te tentar explicar melhor com resolver as questões em que tiveste dúvida.

1.ª) Em Saímos do cinema tarde, repara que o termo do cinema indica circunstância de lugar donde e que a significação externa do verbo sair, ou seja, sua referência a noções do nosso mundo (nesse caso, seu próprio significado: deixar um local, passar do interior para o exterior), está contida em si mesma, o que, evidente, aclara parte de sua significação interna, particularmente sua transitividade. A ação de sair, portanto, não exige objeto, visto que ela, sozinha, se justifica. Períodos como Os casais saíram mostram-se claramente completos; o que se pode adicionar a eles são as circunstâncias do acontecimento: Os casais saíram rapidamente; Os casais saíram à noite; Sorrateiramente, os casais saíram da festa; Os casais saíram do cinema tarde etc. Essa pouca, mas eficaz, explicação é suficiente para que se perceba que o termo do cinema é adjunto adverbial e que, portanto, o verbo sair, nesse caso, é intransitivo.

2.ª) Em O filme agradou a todos, tem-se que a todos não pode, evidentemente, ser entendido como indício de circunstância e que a significação externa do verbo transita dele para seu complemento, que é introduzido pela preposição a. Repara também que o termo a todos pode ser substituído pelo pronome lhe, o que é mais um indício da classificação sintática que receberá o verbo. O complemento verbal é chamado objeto indireto porque, formalmente, encerra preposição que o introduz. O verbo é, portanto, classificado como transitivo indireto.

3.ª) Em Preciso de muito tempo, a história pode tomar outro rumo, se se quiser que a explicação seja mais completa. Seguindo a Nomenclatura Gramatical Brasileira, que (não se sabe bem!) deve ter sido revogada, em 2004, pela TLEBS (Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário), que também foi anulada, só que em 2007, o termo de muito tempo, como se tem raciocinado até agora, seria objeto indireto e o verbo, transitivo indireto. A explicação é a mesma: de muito tempo integra a transitividade de preciso e é introduzido por preposição, e o verbo, regendo esse tipo de complemento, é, portanto, classificado como transitivo indireto. É importante que se saliente que toda a análise até então feita se baseia nas lições da gramática escolar, que ainda é bem preenchida pela caturrice da gramática tradicional. Gramáticas mais sérias, como a Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, e os Fundamentos de Gramática do Português, de José Carlos de Azeredo, trazem conceitos que, já de há muito, deveriam estar presentes nas gramáticas que se destinam ao Ensino Básico. Um deles é o de complemento relativo, que é o termo que integra a significação do verbo através de qualquer preposição e que nunca pode ser substituído pelo pronome oblíquo lhe(s). O objeto indireto, muito confundido com o complemento que acabei de explicar, dele difere porque sempre é introduzido pela preposição a e sempre pode ser substituído pelo pronome oblíquo lhe(s). A maioria dos verbos que regem complemento relativo não revela por que se deve optar por uma ou outra preposição, pois esse é mais um caso de servidão gramatical. Por exemplo, não se tem como explicar por que assistir, no sentido de estar presente, comparecer, exige a preposição a, e não outra qualquer. Também são casos de servidão gramatical o gênero dos substantivos; não se explica por que porta é feminino, rio é masculino, árvore é feminino etc. ***, quero que saibas que a extensão que fiz sobre o assunto, tratando do complemento relativo, deve ser compreendida apenas a titulo de curiosidade; se te preparas para concursos, é importante que não consideres o conceito desse complemento, pois é certo que a maioria dos concursos, se não todos, não cobram dos candidatos conceitos mais aprofundados.

4.ª) Em Obedeça aos professores, pode-se seguir o mesmo raciocínio: aos professores não indica circunstância (não pode ser adjunto adverbial), integra a significação do verbo obedecer e é introduzido pela preposição a. Esse termo é, portanto, objeto indireto. Repara que esse complemento, até em análise mais rigorosa, deve ser, sim, classificado como objeto indireto, pois é possível a substituição do termo pelo pronome lhes, o que não se permite ao complemento relativo. Sendo assim, o verbo é transitivo indireto.

5.ª) Em Deparamos com uma cobra, faz-se o mesmo raciocínio. O termo com uma cobra é objeto indireto, segundo, claro, a gramática escolar, e o verbo deparar é transitivo indireto. Não custa acrescentar também que, na mesma acepção, o verbo deparar também pode ser usado como pronominal (Deparamo-nos com uma cobra).

6.ª) Em Gosto de pessoas sinceras, a discussão repete-se: de pessoas sinceras é objeto indireto e gosto, verbo transitivo indireto.

Bom, ***, como deves ter percebido, a classificação dos verbos segundo a predicação verbal exige que conheças bem os demais termos da oração (essenciais, integrantes e acessórios) para que possas, excluindo possibilidades e, ao mesmo tempo, identificando as caraterísticas do termo em questão, fazer a análise sintática mais acertada. Note-se que o verbo em si não é termo da oração; evidenciam-se seus valores sintáticos por ele poder ser núcleo do predicado verbal (ou do verbonominal) ou partícula copulativa (verbo de ligação), presente na composição do predicado nominal. O pontapé para a classificação do verbo segundo sua transitividade é a análise do seu complemento. Espero que tenhas compreendido o assunto e que te possa ter sido claro.

Abraço.

Até outros tópicos.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Gramática: Emprego de vírgula antes de “etc.”.

     Um dos foristas trouxe, recentemente, uma questão bastante ventilada e, no entanto, ainda pouco compreendida. Referia-se ele ao emprego de vírgula antes da abreviação etc. Este é ainda assunto polêmico, pois muitas gramáticas acuadas, em lições caquéticas, incutem proibição a torto e a direito. Muitos dos que escrevem em português ainda sentem insegurança ao empregar ou não vírgula nesse caso. A minha resposta tem por fim esclarecer essa questão, desmitificando lições seculares.

Olá, colegas de fórum. Apesar de et cetera (do lat. et coetera) significar e as demais coisas, ou seja, apesar de haver a conjunção e na formação, é lícito empregar-se vírgula antes da abreviação etc. Apegar-se a regras caquéticas, que em nada contribuem com a evolução da língua, evidencia o retrocesso de que tantos são vítimas. Uma delas, contida, por sinal, no famoso Dicionário de Questões Vernáculas, de Napoleão, proíbe vigorosamente o emprego de vírgula antes da abreviação etc. O autor argumenta que, por não se usar, em série de termos coordenados, o sinal de pontuação antes da conjunção aditiva e, também não se deve vírgular a abreviação porque se faz sentir a presença dessa conjunção em etc. Argumento, por sinal, muito furado, pois, fugindo do latim, essas três letrinhas tomam rumo bem diferente em português; não se faz lembrar, entres bons escritores, hodiernos ou não, todo o rigor exigido por Napoleão. Listo abaixo citações de grandes penas de nossa literatura, que, conscientemente, empregaram vírgula antes de etc.

Em Os Bruzundangas e em O Cemitério dos Vivos, Lima Barreto abona a pontuação:

"Nela, há a literatura oral e popular de cânticos, hinos, modinhas, fábulas, etc.; mas todo esse folk-lore não tem sido coligido e escrito, de modo que, dele, pouco lhes posso comunicar." (BARRETO, 1923, grifo meu)

"Dificuldades, em casa, credores, mau humor da mulher, rompantes do marido, descomposturas, casas de tavolagem, álcool, etc." (BARRETO, 1953)

Até mesmo João de Barros, em sua Grammatica da lingua portuguesa, serve-nos dos exemplos:

"E dâs que usamos que usamos pera serviço da pessoa e cása, andilhas, cálças, çiroulas, mantéis, alforges, grelhas, tenázas, tisouras, etc." (BARROS, 1540)

Em O Arquipélago, terceira parte de O Tempo e o Vento, escreveu Érico Veríssimo o trecho abaixo.

"Estás condicionado, meu filho. Vocês letrados glorificam a guerra, vivem com essa história de hinos, bandeiras, tambores, clarínadas, cargas de baioneta, etc." (VERÍSSIMO, 1961)

Em O Conde d'Abranhos, fornece-nos Eça de Queirós o emprego de vírgula antes de etc.

"Tinha sobre a mesa pequenas caixas feitas de cartas de jogar, com dísticos em letra gótica que lhes designavam a serventia: caixa das penas, caixa da borracha, caixa do limpa-penas, caixa das obreias, etc." (QUEIRÓS, 1926)

Mais dois lusitanos de peso abonam a pontuação: Camilo Castelo Branco e Alexandre Herculano.

"A denominação de estrangeiros dada aos soldados da rainha e do conde de Trava parece na verdade imprópria, sendo eles pela maior parte galegos, leoneses, etc." (HERCULANO, 1843)

"Os livros de Calisto Elói eram cronicões, histórias eclesiásticas, biografias de varões preclaros, corografias, legislação antiga, forais, memórias da Academia Real da História Portuguesa, catálogos de reis, numismática, genealogias, anais, poemas de cunho velho, etc." (CASTELO, 1866)

São muitas as abonações desse emprego de vírgula. Creio que são suficientes e bem fortes as citações que expus. Por tudo, é evidente que não se pode condenar o emprego de vírgula antes de etc. O que, de fato, se tem de esclarecer é que se faculta o emprego de pontuação, ou seja, fica a cargo de quem escreve usar ou não a vírgula antes da abreviação.

Isso é tudo, ***.

Abraço. Até outros tópicos.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

ABL: Cleonice Berardinelli, a mais recente imortal.

Cleonice Berardinelli é a nova titular da Cadeira nº8 da ABL

A Academia Brasileira de Letras escolheu no dia 16 de dezembro, a Professora Cleonice Berardinelli, como a 6ª ocupante da Cadeira nº 8, vaga desde 17 de setembro último com a morte do Acadêmico Antonio Olinto.

Logo no primeiro escrutínio, a candidata eleita recebeu 30 votos. Seu concorrente, o jornalista e ex-ministro Ronaldo Costa Couto, recebeu 9.

A Cadeira nº 8 foi fundada por Alberto de Oliveira, que escolheu como patrono Cláudio Manoel da Costa. Foi ocupada sucessivamente por Oliveira Viana, Austregésilo de Athayde, Antonio Callado, e Antonio Olinto.

Saiba mais

Cleonice Berardinelli nasceu no Rio de Janeiro, em 28 de agosto de 1916. É  graduada em letras neolatinas pela Universidade de São Paulo (1938) e livre docente pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1959), com a tese Poesia e Poética de Fernando Pessoa.

Especialista em Camões e Fernando Pessoa, Cleonice Berardinelli é professora emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, consultora ad hoc da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e consultora ad hoc da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.

É acadêmica correspondente brasileira da Academia das Ciências de Lisboa desde 27 de novembro de 1975.

Entre seus livros, destacam-se: Estudos Camonianos (1973), Obras em Prosa: Fernando Pessoa (1986), A passagem das horas de Álvaro de Campos (1988), Poemas de Álvaro de Campos (1990) e Fernando Pessoa: outra vez te revejo… (2004).

16/12/2009

(fonte: www.academia.org.br; fotografia: www.imagem.ufrj.br)

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Crônica: Aula de Inglês.

Aula de Inglês

Rubem Braga

—  Is this an elephant?

Minha tendência imediata foi responder que não; mas a gente não deve se deixar levar pelo primeiro impulso. Um rápido olhar que lancei à professora bastou para ver que ela falava com seriedade, e tinha o ar de quem propõe um grave problema. Em vista disso, examinei com a maior atenção o objeto que ela me apresentava.

Não tinha nenhuma tromba visível, de onde uma pessoa leviana poderia concluir às pressas que não se tratava de um elefante. Mas se tirarmos a tromba a um elefante, nem por isso deixa ele de ser um elefante; mesmo que morra em conseqüência da brutal operação, continua a ser um elefante; continua, pois um elefante morto é, em princípio, tão elefante como qualquer outro. Refletindo nisso, lembrei-me de averiguar se aquilo tinha quatro patas, quatro grossas patas, como costumam ter os elefantes. Não tinha. Tampouco consegui descobrir o pequeno rabo que caracteriza o grande animal e que, às vezes, como já notei em um circo, ele costuma abanar com uma graça infantil.

Terminadas as minhas observações, voltei-me para a professora e disse convincentemente:

—  No, it's not!

Ela soltou um pequeno suspiro, satisfeita: a demora de minha resposta a havia deixado apreensiva. Imediatamente perguntou:

—  Is it a book?

Sorri da pergunta: tenho vivido uma parte de minha vida no meio de livros, conheço livros, lido com livros, sou capaz de distinguir um livro a primeira vista no meio de quaisquer outros objetos, sejam eles garrafas, tijolos ou cerejas maduras — sejam quais forem. Aquilo não era um livro, e mesmo supondo que houvesse livros encadernados em louça, aquilo não seria um deles: não parecia de modo algum um livro. Minha resposta demorou no máximo dois segundos:

—  No, it's not!

Tive o prazer de vê-la novamente satisfeita — mas só por alguns segundos. Aquela mulher era um desses espíritos insaciáveis que estão sempre a se propor questões, e se debruçam com uma curiosidade aflita sobre a natureza das coisas.

—  Is it a handkerchief?

Fiquei muito perturbado com essa pergunta. Para dizer a verdade, não sabia o que poderia ser um handkerchief; talvez fosse hipoteca... Não, hipoteca não. Por que haveria de ser hipoteca? Handkerchief! Era uma palavra sem a menor sombra de dúvida antipática; talvez fosse chefe de serviço ou relógio de pulso ou ainda, e muito provavelmente, enxaqueca. Fosse como fosse, respondi impávido:

—  No, it's not!

Minhas palavras soaram alto, com certa violência, pois me repugnava admitir que aquilo ou qualquer outra coisa nos meus arredores pudesse ser um handkerchief.

Ela então voltou a fazer uma pergunta. Desta vez, porém, a pergunta foi precedida de um certo olhar em que havia uma luz de malícia, uma espécie de insinuação, um longínquo toque de desafio. Sua voz era mais lenta que das outras vezes; não sou completamente ignorante em psicologia feminina, e antes dela abrir a boca eu já tinha a certeza de que se tratava de uma palavra decisiva.

—  Is it an ash-tray?

Uma grande alegria me inundou a alma. Em primeiro lugar porque eu sei o que é um ash-tray: um ash-tray é um cinzeiro. Em segundo lugar porque, fitando o objeto que ela me apresentava, notei uma extraordinária semelhança entre ele e um ash-tray.  Era um objeto de louça de forma oval, com cerca de 13 centímetros de comprimento.

As bordas eram da altura aproximada de um centímetro, e nelas havia reentrâncias curvas — duas ou três — na parte superior. Na depressão central, uma espécie de bacia delimitada por essas bordas, havia um pequeno pedaço de cigarro fumado (uma bagana) e, aqui e ali, cinzas esparsas, além de um palito de fósforos já riscado. Respondi:

—  Yes!

O que sucedeu então foi indescritível. A boa senhora teve o rosto completamente iluminado por onda de alegria; os olhos brilhavam — vitória! vitória! — e um largo sorriso desabrochou rapidamente nos lábios havia pouco franzidos pela meditação triste e inquieta.  Ergueu-se um pouco da cadeira e não se pôde impedir de estender o braço e me bater no ombro, ao mesmo tempo que exclamava, muito excitada:

—  Very wellVery well!

Sou um homem de natural tímido, e ainda mais no lidar com mulheres. A efusão com que ela festejava minha vitória me perturbou; tive um susto, senti vergonha e muito orgulho.

Retirei-me imensamente satisfeito daquela primeira aula; andei na rua com passo firme e ao ver, na vitrine de uma loja, alguns belos cachimbos ingleses, tive mesmo a tentação de comprar um. Certamente teria entabulado uma longa conversação com o embaixador britânico, se o encontrasse naquele momento. Eu tiraria o cachimbo da boca e lhe diria:

--  It's not an ash-tray!

E ele na certa ficaria muito satisfeito por ver que eu sabia falar inglês, pois deve ser sempre agradável a um embaixador ver que sua língua natal começa a ser versada pelas pessoas de boa-fé do país junto a cujo governo é acreditado.

Maio, 1945

(fonte: releituras.com)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Gramática: Dois tímidos casos de dupla grafia.

     Mudanças sempre ocorrem. Uma das mais recentes foi a exclusão de todas os textos do antigo fórum SOLP, que, até então, tinha assumido o título Só Português, como já havia falado em postagens passadas. O que ora se fez foi a mudança da estrutura de linguagem do fórum, que, segundo seu mantenedor, é mais sólida e prática. Felizmente, desta vez, não perdi os textos que havia publicado no antigo fórum; vinha-os salvando em arquivo de texto. Mingua a coragem e a disposição para continuar a escrever textos no fórum, que agora está mais bonito, mas meio sem graça. Teimo, no entanto, em escrever um ou outro. Abaixo está o mais recente texto do fórum escrito por mim; trata de duas das mudanças trazidas pelo Acordo de 1990, as quais, certamente, não nos farão muito preocupados em segui-las.

“Gostaria de saber se a palavra fenômeno pode ser escrita destas duas formas: fenómeno - fenômeno, pois a rede globo [sic] está vinculando estas duas escritas e meus alunos me perguntaram sobre isso e não soube responder.”

Olá, ***. Consoante o texto do Acordo Ortográfico de 1990, com o ventilado escopo de unificação ortográfica, a grafia fenómeno, típica de Portugal, também poderá ser escrita por nós, brasileiros. No Brasil, por se pronunciarem as palavras afins com timbre fechado, será, no entanto, bastante estranho grafarmos os brasileiros fenómeno, pénis, fémur, ónix, António etc., como fazem os portugueses. A regra da dupla grafia dá-se, geralmente, com as paroxítonas e com as proparoxítonas que têm sílaba tônica (tónica, outro exemplo) cuja vogal, em fim de sílaba, se encosta ao m ou n, consonantais, da sílaba seguinte. Nas pronúncias cultas, é comum ocorrer às palavras que satisfazem ao caso a oscilação de timbre da vogal tônica; a dupla grafia veio para agradar a gregos e troianos.

Outro caso interessante de dupla grafia, agora permitida pelo Acordo, é o dos verbos homônimos (ou homónimos) em duas flexões: na terceira pessoa do plural do presente do indicativo e na mesma pessoa e número do pretérito perfeito do indicativo. De havia muito, já me tinha acostumado com o modo estranho, e não menos interessante, como meu pai fala verbos como tratamos, jogamos, cantamos e quejandos; quando no pret. perfeito do indicativo, ele assim os pronuncia: [tra'támUS], [jo'gámUS], [cã'támUS] etc. Isso, na realidade, reflete o momento em que meu pai se alfabetizou, quando o nosso português ainda estava muito ruim das pernas, bastante preso aos ditames lusitanos. Pronunciar tais palavras com o a aberto é prática tão comum em Portugal, que lá se permite o acento agudo em tratámos, jogámos, cantámos etc., para que ocorra a distinção destas formas com as do presente do indicativo. Com a chegada do Acordo, a dupla grafia entrou a imperar. No entanto, isso pouco influirá, acredito, no modo como escreve o brasileiro. Isso é certo somente se o espírito de colonialismo linguístico, tão comum entre os que vivem neste país, não for mais forte; os modismos começam a tomar forma quando pequenas, e igualmente bobas, novidades de fora se implantam em terras tupiniquins. Os pobres falantes frandunos, geralmente os topetudos de classe alta, são os principais alvos de ataques de subserviência aos modos estrangeiros. Ora, eles todos são grandinhos e vacinados! Sabem muito bem escolher como falar. Não dizem snob (pedante), gare (estação ferroviária), barman (preparador de bebidas em bar), box (caixa), dancing (danceteria), fashion (moda), hobby (passatempo) etc. apenas porque assim leem em uma ou outra revista suspeitas. Fazem-no, em verdade, por puro espírito colonialista e por forte desprezo pelo que, culturalmente, se produz no Brasil. Para o caso dos empréstimos rigorosamente necessários, sugiro que sempre se faça o bom aportuguesamento; não nos custa escrever leiaute, xópin, xampu, estresse etc. Para o caso das palavras cujo aportuguesamento não cai bem, devem-se escrever conforme a antiga regra das aspas ou do grifo (itálico).

Bom, espero que haja mais consciência no modo como se escreve e fala.

Um abraço. Até outros tópicos.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Crônica: O Pneu

O Pneu

Gustavo Henrique S. A. Luna

    Que se façam as orações do dia! Mais um reflexo da natureza humana estoura na carreira de um menino atrás de um pneu, que desce, como se fugisse, temeroso, às suas pretensões inocentes, ao sorriso largo de criança, a todo aquele poder de não se ter vergonha. A alma nua da figura pueril é imperceptível a todos os que veem ridícula a perseguição àquele pedaço de borracha circular. A alma nua de criança ofende; a alma nua de criança existe, graças a Deus. Os ternos, os bigodes, as pastas, os óculos e os quejandos ambulantes fazem-se ofendidos, mesmo que intimamente, com toda a liberdade gozada pela criança sem camisa, que ora perde para o ligeiro pneu na carreira. Que atração haveria em correr atrás de algo que certamente se pegará? Aquele pneu tem de parar em algum local e em algum momento, e o menino, tendo em mãos a borracha, verá ter sido tão vã a perseguição. Perdera muito tempo, perdera saúde e perdera a alegria de ter podido jogar bola com os amigos, ou soltar pipa, ou qualquer outra coisa comum ao espírito de criança, porque quis, em vez de tudo isso, correr deliberadamente atrás de um pneu. Pensam assim aqueles objetos ambulantes a que me referi; são as mentes azedadas pelo mau viver em sociedade ou pelo achar que existe um padrão de retidão comportamental imaculado, que, em verdade, não é mais sério que uma coalhada. Elas tentam rememorar o que é ser criança. Elas enxergam o ser criança como a atitude sistemática de obedecer a uma série de tarefas diárias, que inclui todo o conjunto de pesos não suportados pelas pobres cabeças adultas e transmitidos acintosamente às nossas criancinhas. Isso tudo à custa de terem-no feito os pais dos pais; pensam, portanto, as mentes cansadas que, assim procedendo, colaboram decerto com o perpetuar da ideia de que a infância correta gera o homem correto e de que a adolescência correta gera o homem correto, mas não dão de cara com o parecer tolo que gratuitamente fornecem, todos os dias, sobre as noções de civilidade, postura, educação etc. Enquanto as cabeças não movem os olhos (ou seria o contrário?), o pneu, infrene, continua seu itinerário não traçado; o menino larga o dedão num bico de pedra e perde parte da unha, o que, naquela hipnose de correr e correr, não significa mais que uma cara feia e umas interjeiçõezinhas sujas, aprendidas com os amigos mais velhos; isso tudo se dá sem que ele pare de correr. A indiferença do menino ao comportamento adulto é gigantesca, ao passo que os anônimos, os clones ambulantes, dedicam parte da finalista atenção à inutilidade com que se sobeja a figura descamisada e felizmente despreocupada. Isso é tão sensível que a indiferença meninil espanta os sustos tomados por alguns que, ao atravessarem a rua, se veem surpreendidos por um pneu. À criança só interessa estar correndo, posto que, no sentir, somente o atrai o processo; o menino é livre da adultidade doente de querer fazer tudo, absolutamente tudo, com os olhos voltados para qualquer coisa diferente do que está sendo feito. O adulto pensa em por que fazer; a criança, no entanto, quer continuar, sentir e conhecer o que se entrou a fazer. A incoação, para o adulto, é a questão, a dúvida, o problema, mas, para a criança, é o desate, a solução, a experiência. O itinerário infindo do pneu parece lógico apenas à cabeça da criança.
    O pneu vai-se distanciando e conquistando territórios mais planos, como se devassasse a fragilidade cinza dos homens, que, cobertos pelas camadas inquebrantáveis da retidão que apregoam, são, ao último e preciso soco, como a mais frágil peça de porcelana da vovó, cuidadosamente guardada e mantida sob estúpida quietude, com o fito de não se poder usar. O homem é o cordeiro perseguido por medos e dúvidas, é o sítio em que reina incólume a hostilidade compartilhada exaustivamente pelos que creem ser a sociedade o reflexo do que vivem interiormente. Se a sociedade for, de fato, a indução do comportamento humano intensamente preocupado com o que se pode obter de tudo e de todos, o que se dá entre os homens é a solidária atitude de compartilhar egoísmos. O menino certamente passará à classe perdida das atitudes programadas, dos gestos disfarçados, dos sorrisos caústicos, das bocas cuspidas e dos olhos vendados e vendidos. Enquanto isso não se dá, o que se tem de fazer é percorrer vigorosamente o pneu, talvez a única coisa que faz completo sentido numa paisagem absolutamente torpe, em que progredir é antes fazer tudo se perder e orgulhar-se disso.
    O círculo teima em querer conhecer o chão, e o menino aquiesce à teimosia. A cicloide já não é tão perfeita quanto antes. O vigor com que, rápido, o menino se aproximava do pneu parece resumir-se à medida do passo que se dá entre a corrida e a caminhada. A borracha inclina-se e tende a revelar ao chão a lateral do objeto que constitui. A agitação momentaneamente cessa. O menino vê tudo aquilo com o sorriso estampado no rosto. Agora, estando parado e ofegante, sente a dor do dedão desunhado. Depois de alguma meditação, toma o pneu e resolve fazer tudo novamente, com a mesma alegria e entusiamo.

(por Gustavo Henrique S. A. Luna)

quinta-feira, 30 de julho de 2009

História da Matemática: Tartaglia e as Equações Algébricas.

    Como já havia dito, tenho preparado texto em que trato, despretensiosamente, de equações algébricas e de polinômios. Enquanto preparava, separadamente, uma parte do texto, relativa à demonstração da fórmula de Cardano, que se aplica a um tipo de cúbica, pensava, sem intento deliberado, em escrever uma história que, desde o momento em que a ouvi, me chamou a atenção por tratar do destino de um jovem italiano que, com muito esforço, conseguiu transpor as barreiras que o separavam das luzes da ciência. O texto é adrede curto, pois, querendo não volumar ainda mais o tímido texto matemático que preparo, enxuguei, como sempre faço, os excessos e as ideias secundárias.

Um Pouco de História: Tartaglia e as Equações Algébricas.

      As equações algébricas talvez sejam o tema mais importante e empolgante da Matemática no século XVI. Em tal período, muitos matemáticos, principalmente os italianos (por motivo claro: a Itália então vivia o esplendor do Renascimento), com muito fervor, lançavam-se ao estudo das equações algébricas, buscando os melhores métodos de resolução. Montavam-se verdadeiros arsenais de equações usados pelos estudiosos para competir publicamente entre si. São muitas as histórias sobre essas competições; algumas, incertas, com mais de uma versão, e outras, bastante precisas; todas, no entanto, trazem consigo a empolgação vivida na época e personagens muito curiosos. Um desses personagens é o autodidata Nicolo de Brescia (Tartaglia*), que teve infância bastante difícil pela intensa pobreza em que vivia com seus pais. Nasceu no ano de 1499, na cidade que lhe deu o sobrenome, e, desde cedo, mostrava-se uma criança muito curiosa, com a vontade de aprender que distingue esse tipo pueril. Em 1512, Brescia foi invadida violentamente pelos franceses, comandados por Gaston de Foix, e Tartaglia e seu pai, em fuga do terror que se estabelecera na cidade, como muitos dos moradores, tentaram resistir ao massacre que se dava nas ruas permanecendo dentro da catedral local, o que não lhes garantiu a segurança, pois, não respeitando o local sagrado, soldados franceses adentraram-no, destruindo o que se via pela frente e matando todos os que lá estavam, exceto o jovem Tartaglia. Seu pai foi morto e Nicolo teve o crânio fraturado e uma perfuração nada discreta do palato, a qual lhe causou forte gagueira. Desse problema fônico, vem o seu apelido Tartaglia, que, em italiano, significa tartamudo, gago. A salvação do jovem foi terem-no os soldados tido por morto devido ao severo dano capital que apresentava, enquanto os demais tinham-lhes as vidas ceifadas como se houvesse ali um monstruoso abate. A mãe de Tartaglia, que também conseguiu sobreviver, encontrou o filho na mesma situação de inconsciência em que ficara na catedral, tratando, de imediato, de retirá-lo seguro do local. Como vivia a família em extrema pobreza, a mãe não tinha suporte algum para garantir ao filho assistência médica, mas, segundo o que se conta, lembrou-se de um método duvidoso para tratar de chagas: lambê-las como fazem os cães. Contava Tartaglia, depois de salvo, que o método usado por sua mãe foi o que lhe garantiu a recuperação. O incidente, a nosso ver, foi uma prova da deliberação do destino, segundo a qual Tartaglia teria de viver para contribuir, de alguma maneira, com o desenvolvimento da ciência a que sempre revelou inclinação: a Matemática. Por verem-se-lhe as ferramentas de estudo extremamente escassas, Tartaglia, ainda criança, mas já depois do inditoso episódio por que passou e a que sobreviveu, roubou um caderno e passou a aprender a ler e escrever sozinho. Antes disso, tinha o hábito de riscar as lápides do cemitério como se fossem quadros-negros, por não ter ele recursos para a compra de papel. O mais impressionante é ter esse italiano, sozinho, aprendido, mesmo que intuitivamente, álgebra e aritmética com uma precisão assustadora (!). Posteriormente, entrou em sua vida o famoso professor da Universidade de Bolonha Scipione Del Ferro, que, impressionado com o gênio do tartamudo, informou a seu discípulo Antonio Maria Fiore a existência do jovem Nicolo. Não demorou muito para Tartaglia superar alguns matemáticos da época e revelar-se um excelente algebrista do séc. XVI. Passou a participar das disputas acaloradas que se davam sobre equações algébricas quando, por conta da descoberta da resolução da cúbica de forma x³ + px – q =0, que se credita a Del Ferro, foi desafiado por Fiore para uma competição em que cada um deveria propor trinta questões ao outro, todas envolvendo cúbicas, que deveriam ser resolvidas dentro de prazo de 40 a 50 dias. Não foi boa iniciativa de Fiore desafiá-lo, pois não sabia ele que Tartaglia descobrira, independentemente, os métodos de resolução de dois tipos de cúbicas, o que envolve equações da forma x³ + px = q, já conhecida por Fiore, e o que trata da resolução das cúbicas do tipo x³ + px² = q, até então desconhecido pelos matemáticos italianos. Bom, o resultado da disputa foi a humilhante vitória de Tartaglia por 30 a 0 (zero); todas as cúbicas propostas por Fiore, claro, eram do conhecimento do tartamudo, enquanto as propostas por Tartaglia eram todas da forma cuja resolução não era conhecida por seu adversário. O matemático derrotado tinha certo prestígio entre os cientistas de então, e a derrota que sofrera na disputa com Tartaglia foi, portanto, o que projetou este como um dos mais promissores matemáticos de sua época. É importante lembrar que as competições em que se envolviam os matemáticos serviam como termômetro, no meio científico, do que então se descobria e da competência e astúcia dos que se destacavam. É também importante lembrar que Tartaglia foi o primeiro matemático que usou a Rainha das Ciências nas técnicas de tiro de artilharia. Dedicou-se também à publicação de edições de Arquimedes e Euclides. A história que nos remete à descoberta da resolução da cúbica de Del Ferro e de Tartaglia revela uma personagem curiosa: Girolamo Cardano, mente inescrupulosa que ensinava matemática e praticava Medicina em Milão. Como se sabe, baseando-se em fontes árabes, Scipione Del Ferro havia descoberto o modo de resolver a cúbica em que falta o termo quadrático e, então, revelado o segredo a seu discípulo Antonio Maria Fiore. Como se percebeu, após a vitória de Tartaglia na disputa com Fiore, houve intensa atração dos matemáticos italianos pela nova mente que, segundo o que é registrado em obras sérias de História da Matemática, resolveu todos os problemas de Fiore em apenas duas horas (!). Um dos matemáticos que mais se impressionaram com o raciocínio de Tartaglia foi Zuanne de Tonini da Coi, que passou a corresponder-se, frequentemente, com o tartamudo. Uma das cartas de Zuanne a Tartaglia pode ser lida por meio do link que se encontra no fim desta postagem. Outro que tratou de aproximar-se de Tartaglia foi Cardano, que, depois de solene juramento de segredo, conseguiu arrancar do gago a chave por meio da qual se resolve a cúbica desprovida de termo quadrático. Em 1545, em Nurembergue, foi lançado o livro Ars Magna (Arte Maior), grande tratado de Álgebra escrito por Cardano, e nele estava contida a famigerada chave de resolução confiada ao médico. Apesar de todos os protestos de Tartaglia, Ludovico Ferrari, um dos mais brilhantes discípulos de Cardano, argumentava ter seu mestre adquirido o segredo diretamente de Del Ferro, através de uma terceira personagem, e acusava Tartaglia de ter cometido plágio da mesma fonte. Como então não tinha meios de provar que confiara a Cardano o segredo da cúbica, a situação permaneceu como estava.

Abaixo está o link que leva aos textos das cartas em que se correspondem Tartaglia, Zuanne, Zuan Antonio (livreiro que viajava frequentemente entre Veneza e Milão), Cardano e Ferrari; todas se referem ao conflito entre Cardano e Tartaglia acerca da chave de resolução da cúbica desprovida de termo quadrático.

Tartaglia versus Cardan

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*Lê-se [ta'talya].

terça-feira, 28 de julho de 2009

Gramática: A dúvida da acentuação dos ditongos abertos “ei” e “oi”, a resposta, a discussão do novo VOLP e o ventilado Acordo Ortográfico.

     A partir de uma simples dúvida de um dos membros do fórum Só Português, tentando eu esclarecer a questão, tratei novamente do assunto Novo Acordo e dei um parecer sobre a nova edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (o famigerado VOLP), que está à venda por mais de cem reais. O assunto Reforma Ortográfica, já muito discutido na Internet, tem feito muitos doutos em língua portuguesa publicar esclarecimentos sobre o texto e as mudanças, o que causou, a princípio, um corre-corre na publicação de manuais e gramáticas atualizadas. Há também muitos aproveitadores, que se valem da onda em que ingressaram muitos estudiosos, para ganhar o seu, explicando as alterações ortográficas e dirigindo odes ao novo texto e ao seu escopo de unificação ortográfica. O impressionante é o comportamento subserviente de muitos brasileiros diante da “novidade”; há muitos que acham bonito o repetido discurso da unificação, aprendem vigorosamente as mudanças e saem por aí admoestando uns aos outros com base nas novas regras — cansei de perceber um ou outro topetudo dizer por aí: “O trema não existe mais!”, “Ideia perdeu o acento!”, “Escrever linguiça com trema agora é errado!” etc. Liga-se a tevê, o que hoje já não é boa atitude (ligando-se, tem-se de ter muito cuidado com o que nela é dito!), e veem-se, em uma canal de expressiva audiência, estampadas personalidades da música, do teatro, do cinema etc. dando dicas de como escrever corretamente, consoante as novas regras. Essa é uma ótima estratégia; o grosso do povo, que adora televisão, aprende rapidinho, se não, decora que é uma beleza. Não vou volumar mais este introito de postagem, porque o que mais interessa é o tópico, que está abaixo.

Boa tarde!
Gostaria de saber por que o acento agudo foi eliminado da palavra ideia?

Olá, foristas. Esse assunto, já tão ventilado entre os que discutem língua portuguesa, tem recuperado uma questão controversa: por que se acentuam os paroxítonos em cuja sílaba tônica aparece um dos ditongos abertos /ey/ e /oy/ se de há muito não se faz isso aos paroxítonos comuns, ou seja, se a tendência natural do português, tal como a de outras língua novilatinas, é a paroxitonia? Simples: alguém, em algum momento, pensou em usar acento gráfico para distinguir timbre das vogais tônicas dos paroxítonos, fato desnecessário que não tem tradição nenhuma no idioma. Não acentuar os paroxítonos, exceto os que terminam em -r, -l, -x, -n, -ão(s), -ã(s), -ps, -ons, -um, -uns, -i(s) e -us, é a estratégia mais eficaz de facilitar o sistema ortográfico da língua portuguesa, porque, justamente pela paroxitonia do português, é mais simples acentuar as palavras que não são paroxítonas, de acordo com as regras que foram estabelecidas pelo formulário de 43, modificado pela lei n.º 5765 de 71. Antes dessa lei, os paroxítonos homógrafos deveriam ser distinguidos pelo emprego de acento diferencial; as palavras acordo (substantivo) e acordo (verbo) eram diferençadas, escrevendo-se, assim, acôrdo e acordo, respectivamente. O mesmo ocorria com dêste (pron. demonstrativo) e deste (verbo na 2.ª pess. do pret. perfeito), com jôgo (substantivo) e jogo (verbo), etc., que não são mais marcados por conta da referida lei. Essa mudança é inteligente porque, como se sabe, o motivo primeiro de empregar-se acento gráfico é a indicação de tonicidade, e não de timbre; insistir na ideia de usar acento para marcar timbre, nesses casos e em outros que descreverei, significa perturbar o sistema ortográfico, pois assim se têm duas formas de grafar homógrafos paroxítonos e, logo, dois conjuntos de palavras (significantes), ao passo que, com a eliminação desses acentos, se poderia ter apenas metade do número de vocábulos e, portanto, menos variabilidade, menos dúvidas e menos complicação. É provável que pensem que estou tratando de um assunto distante do Acordo de 90, mas não. O caso das palavras ideia, geleia, Coreia, jiboia, tipoia etc. é muito semelhante ao das que foram modificadas pela lei de 71, pois o acento que nelas, nas alteradas pelo "novo" Acordo, se empregava tinha por papel primeiro a indicação de timbre, e não de tonicidade. Ora, para tornar clara a desnecessidade do emprego de acento em tais ditongos, basta perceber que, em qualquer posição diferente da penúltima sílaba, a vogal tônica exigiria acento gráfico segundo as normas do formulário que vigia até o fim do ano passado e do que então vigora. Então, como é bem perceptível, não há necessidade de pertubar o sistema ortográfico com regras que nada acrescentam à acentuação gráfica. Bom, se alguém ainda quiser escrever idéia, jibóia etc., certamente não se incomodará em grafar bôlo, dêste, gôsto etc.

Não sou de todo a favor do "novo" Acordo. Esperava que, com a publicação do novo VOLP, as coisas fossem mais bem esclarecidas. O que ocorre, no entanto, é o contrário: as coisas estão bem mais obscuras. Entenderam mal os sentados da academia, a que se refere o colega [o confrade é um dos membros do fórum Só Português], algumas novas normas do Acordo e prescreveram algumas grafias totalmente extravagantes. Alguém se lembra da tão famigerada noção de composição? Pois é, com a nova edição do VOLP, as palavras pé-de-moleque, água-que-passarinho-não-bebe, maria-vai-com-as-outras, pé-de-chinelo e quejandos, que sempre foram compostos hifenizados, passam a pé de moleque, água que passarinho não bebe, maria vai com as outras, pé de chinelo etc. A noção de composição nestes "compostos" do VOLP, que mais parecem locuções substantivas, se enfraquece de tal modo que não se veem mais, a não ser pelo contexto, os significados de doce feito de mandioca, fubá, coco, açúcar e amendoim, em pé de moleque; de cachaça, em água que passarinho não bebe; de pessoa de personalidade fraca que é facilmente influenciável pela opinião de outras, em maria vai com as outras; de marginal pouco perigoso, em pé de chinelo. Interpretaram os da academia que todo composto que contiver preposição(ões) ou conjunção(ões) ou for frasal, ao estilo de maria-vai-com-as-outras, não deve ser hifenizado, o que foge do plano da morfologia e parte para a sintaxe, como bem disse o nosso Dr. Moreno em excelente conjunto de artigos sobre o novo VOLP. Imagine-se como se dirá a uma criança que está aprendendo português que água que passarinho não bebe (sim! esse catatau sem nenhum traço-de-união) é uma palavra (!), e não uma frase. Além dessa aberração, que, como se vê, não é pequena, há diversas vacilações e incoerências, dentro do VOLP, acerca da flexão de palavras compostas (por ex., diz-se que o plural de pinga-pinga é pingas-pinga — cruzes!).

A quem quiser ler os ótimos artigos do Dr. Cláudio Moreno deixo os linques:

Não compre o novo VOLP! — 1.ª parte
Não compre o novo VOLP! - 2.ª parte 
Não compre o novo VOLP! 3.ª parte
Não compre o novo VOLP (final)

Do ponto de vista político, o Acordo não tem muita razão de ser; é necessário perceber que os gastos serão bem grandes por conta desse 0,5% de mudança do corpus tomado no Acordo, que contém aproximadamente 110.000 palavras. Imaginem quantos livros terão de ser reeditados! É lucro certo para as editoras! E o Brasil, que já tem uma estrutura educacional bem frágil, decerto terá ainda mais prejudicada a aprendizagem das gerações vindouras.

Já tratei demasiadamente do assunto Acordo Ortográfico, de modo que me cansa pensar em falar novamente o que por mim já foi dito várias vezes. O escopo de esclarecer a falsa proposta de unificação, o mote maior dos acordistas, é o que me dá energia para tornar a escrever sobre o assunto. Se se procurarem textos meus pela Internet afora, ou mesmo neste fórum, com certeza, ver-se-á que neles sempre afirmo que o texto do Acordo apresenta incoerências e vacilações, apesar de trazer algumas novas regras de há muito necessárias. Isso é tudo o que ora posso falar sobre o assunto.

Um abraço. Até outros tópicos.

sábado, 18 de julho de 2009

A (não-)crônica: O simples tratar de um segundo aniversário…

    São já dois anos em que escrevo em O Rascunho, blogue que, como já dissera, foi criado despretensiosamente em uma tarde de domingo que me punha angustiado. Pela falta de Internet no dia em que se deu o segundo aniversário, escrevo três dias após, tentando mostrar o básico que é descrever, pela segunda vez, esta data comemorativa. Quanto ao problema de acesso à Internet, o que houve foi a mudança para plano telefônico que promete à família mais economia e gerou minha hesitação em conectar-me por não saber se o novo plano já estaria valendo. Não se deram muitos textos no ano corrente; houve, como causa disso, vicissitudes que em mim calam fundo. Um ou outro texto de gramática, alguns textos alheios e um texto de Matemática Elementar é o que foi feito durante este ano. É provável ainda que o volume dos textos diminua significativamente nos meses que se seguirão. Não haverá tempo, senão no domingo à noite, e ainda assim com risco de não haver tempo nesse horário, para escrever muitos textos. Seria minha meta escolher mais de 28 textos para o segundo semestre; refiro-me a textos menos desazados do que os que aqui já quedaram. Entre esses produtos, há a promessa de novo texto de Matemática Elementar, cuja preparação fora interrompida em janeiro, o qual trata de polinômios e de equações algébricas e tem escopo diferente dos que hoje estão disponíveis: tratar de alguns métodos de resolução particulares e de temas que muito contribuem com resolver problemas modelo. Há alguns dias, escrevia texto sobre os 100 anos de Patativa do Assaré, porém acabei-o perdendo por problema de energia elétrica: houve queda de energia, e o editor que então usava não salvava cópia de segurança. Depois de algum tempo, reiniciado o computador, saí atrás de qualquer arquivo de texto nas pastas temporárias que pudesse ser aquele que estava escrevendo. Em vão foi a procura, o editor não o salvara mesmo; perdi-o. Outra promessa, portanto, é um texto sobre a ave que melhor cantou a complexidade do sertanejo e de seu torrão, quer na aparente frivolidade pitoresca de algumas de suas histórias, quer na importante moral que elas revestem. Nesse texto, contarei a primeira ocasião em que vi Patativa: uma visita ao museu de Santana do Cariri, em que havia muitas pessoas se dirigindo ao velhinho, que, sentado em uma cadeira, com uma placidez contagiante, respondia a todas as perguntas, recitando algumas de suas poesias, pedidas por eles e lembradas instantaneamente pelo poeta. Há também muitas datas importantes a serem discutidas, razões de prováveis novos textos; são 40 anos de Woodstock, 50 anos de Grande Sertão: Veredas, 50 anos de Revolução Cubana, o segundo centenário de nascimento de Charles Darwin, os 150 anos da teoria da evolução etc. A partir de agosto deste ano, terei de enfrentar novo ritmo de estudo, bem mais puxado; começam as aulas da faculdade de Medicina para qual fui aprovado. Como, obviamente, o tempo livre, aquele que se destina principalmente às minhas escrevinhações, me será mais restrito, deixo claro não ser possível, a rigor, seguir a periodicidade dos domingos de texto, que era seguida em 2008. Como foi dito, os textos decerto escassearão.

domingo, 12 de julho de 2009

Gramática: As demais questões comentadas do concurso do TRE-MA (CESPE) – 2009.

     Como havia prometido, trago as demais questões de português comentadas, do concurso do TRE-MA (CESPE), realizado em 21 de junho de 2009. Há questões de mais de um caderno; algumas pertencem a provas de mais de um cargo. Para que não haja tanta confusão, tomei dois cadernos que contêm todas as questões que faltavam: o caderno Z e o lambda. Seguem abaixo os links dos cadernos e o comentário das questões restantes.

• Provas:
- Caderno Z.
- Caderno lambda.

• Comentário das questões restantes:

- Caderno Z:

1.ª Questão) A única opção que apresenta incorreção gramatical é a bê. Rigorosamente, há dois erros: um de paralelismo sintático e outro de concordância verbal. No aposto diferença entre o custo de captação e juro cobrado no empréstimo, referente à palavra inglesa spread, não se deu muita importância ao paralelismo porque não se empregou o artigo definido antes de juro, para que assim houvesse a simetria entre os termos coordenados. Alguns gramáticos são mais brandos quanto ao paralelismo, evitando até tratar do assunto em suas gramáticas. A incorreção mais grosseira, no entanto, é o emprego da forma tem, em vez de têm. O sujeito elítico é da terceira pessoa do plural; basta atentar na flexão do verbo bastam, que inicia o período. Para que haja concordância, é necessário que o verbo ter também se flexione na terceira pessoal do plural, assumindo a forma têm.

Gabarito: letra bê.

2.ª Questão) Na letra a, há erro crasso no emprego da vírgula. Vale lembrar que não se devem separar termos integrantes com vírgula. Assim, não se justifica a vírgula após o verbo contribuir; a oração introduzida pela preposição para é subordinada substantiva objetiva indireta reduzida de infinitivo. Poderiam pensar alguns que para introduz oração adverbial, ideia que não é coerente porque ocorre esvaziamento do significado de tal preposição; ela apenas contribui com a transitividade indireta do verbo contribuir, que, por sinal, pode reger complemento indireto introduzido por para ou por com. No caso, só seria possível o emprego de para. Na letra bê, pecou-se por falta de vírgula. Deve-se lembrar que, quando deslocadas, as orações subordinadas adverbiais devem sempre vir separadas por vírgulas. O trecho seria mais bem escrito assim: “As mais prejudicadas, como era previsível, foram as pequenas, as médias e as microempresas”. A letra cê está impecável quanto à pontuação. A letra dê traz enunciado obscuro, com empregos injustificáveis de ponto-e-vírgula e de vírgula. Quando ocorre adjetivo ou advérbio em grau comparativo de superioridade, havendo oração subordinada adverbial como segundo membro da comparação, esta não deve ser separada por vírgula. Também não há necessidade do emprego do ponto-e-vírgula; repare-se que não existem orações coordenadas e que adjunto adverbial por causa da concentração foi separado do sintagma a que pertence como determinante: a oração subordinada adverbial comparativa. Não se deve colocar vírgula antes da conjunção e, que, nesse caso, coordena os núcleos do predicativo do sujeito. Não creio ser necessária a vírgula que isola o termo na capacidade de emprestar, que, visto como adjunto adverbial de situação (v. Moderna Gramática Portuguesa), está em sua posição normal dentro do período. O trecho corretamente reescrito fica assim: “Nesta crise, esses bancos são menos numerosos do que já foram por causa da concentração e também os mais prejudicados na capacidade de emprestar”. Na letra e, repete-se o mau emprego de vírgula antes da conjunção e, que coordena orações de mesmo sujeito, e comete-se outra incorreção famosa: separar, com vírgula, termo integrante, que é representado, nesse caso, pela oração substantiva objetiva indireta reduzida de infinitivo a aplicar dinheiro em certificados de depósito emitidos por esses bancos. O trecho corrigido fica assim: “O Governo identificou o problema e tomou medidas para estimular os poupadores a aplicar dinheiro em certificados de depósito emitidos por esses bancos”.

Gabarito: letra cê.

3.ª Questão) Na letra a, a proposta de substituição de por ser por uma vez que é, fazendo-se os ajustes descritos na opção, pode ser adotada sem que haja corrupção dos preceitos gramaticais. A conjunção uma vez que também é causal, entretanto só introduz oração desenvolvida, o que exige a mudança das formas verbais ser e ter para é e tem. Quanto ao que se diz na letra bê, é, de fato, possível a substituição de mas por porém, contudo, todavia e no entanto, também conjunções adversativas. Quanto ao que se diz na letra cê, ocorre realmente a elipse da expressão o preconceito racial, que funciona como sujeito, obviamente elítico. Sobre a letra dê, realmente, a crase deve-se à regência do nome transitivo respeito, que exige complemento nominal introduzido pela preposição a, e à presença de artigo feminino plural, ocorrendo assim a contração às, resultante da fusão da preposição com o artigo. Sobre a letra e, a locução conjuntiva bem como é coordenativa aditiva, não indicando, portanto, circunstância de fim ou de qualquer outra natureza; essa locução costuma aparecer em correlação com palavras que pertencem à oração anterior, o que reforça a noção aditiva do que é tratado em uma e outra oração coordenadas. Esta opção está, portanto, errada.

Gabarito: letra e.

4.ª Questão) Questão que não oferece muita dificuldade a quem com ela depara; basta um pouco mais de atenção, o que é facilitado por leitura não muito rápida. O problema está na letra dê, bem naquela palavrinha que está flexionada no feminino, lá no finalzinho do período. Trata-se de próxima, que tem como referente (determinado no sintagma) a palavra estoque, de gênero masculino, com a qual deve concordar em número e em gênero.

Gabarito: letra dê.

5.ª Questão) Trata esta questão, essencialmente, de aspectos da sintaxe. Acerca do que se diz em a, é sabido que uma das principais características do uso de vírgula, se não a mais evidente, é realizar a separação de termos coordenados, numa enumeração. A vírgula que, no texto, se pospõe ao nome Rússia obedece justamente a esse princípio, separando esse substantivo de Índia. Vale lembrar que, numa coordenação em que não se reitera a conjunção aditiva e entre cada termo coordenado, não se deve empregar vírgula entre os dois últimos termos da coordenação, pois, nesse caso, a conjunção e exerce o papel que lhe é próprio: o de coordenar. Por exemplo: escreve-se ao lado de Rússia, China e Índia em vez de ao lado de Rússia, China, e Índia, forma incorreta. A opção tratada é, pois, a correta. A letra bê afirma, incorretamente, que a oração que afligem a sociedade é subordinada adjetiva explicativa. Importante, perceber que a informação nela contida não é acessória, ou secundária, à determinação do substantivo males; em verdade, tal oração é fundamental ao entendimento da qualidade dos referidos males, ou seja, a oração restringe a significação do substantivo, diferençando-o de outros males que existem. A oração discutida é, na realidade, adjetiva restritiva; está, pois, errada a opção bê. Veja-se atentamente o que se diz na opção cê; o emprego de dois-pontos se justifica, no caso, por motivo diverso daquele apresentado na opção. Esse sinal de pontuação é empregado para indicar que, após ele, vem um aposto; equivale, pois, a uma vírgula. O aposto a que me refiro é burocracia e corrupção, que se refere a dupla severa. Nada tem a ver, nesse caso, o emprego de dois-pontos com a presença de citação, que, por sinal, sequer existe no texto. Na letra dê, afirma-se que o pronome se é índice de indeterminação do sujeito; está errada a afirmação, porquanto, para que seja o se índice de indeterminação, o verbo a que se prende não pode ser transitivo direto, como o é alimentar, na acepção que assume no texto. Ora, o sujeito está expresso pelo relativo que, referente a duas doenças terminais de qualquer sociedade! Também não dá cabimento o contexto à interpretação de que o se seja partícula apassivadora. Atente-se em que as duas doenças terminais não são alimentadas por nada, ou seja, o verbo alimentar não está em voz passiva. Na realidade, uma alimenta a outra e vice-versa; ocorre aqui reciprocidade da ação. A voz verbal é recíproca, e o se é um mero complemento direto do verbo. O que torna ainda mais clara essa noção de reciprocidade é a presença do advérbio reforçativo multuamente. Pelo que foi analisado, a opção dê está errada. Atente-se no que é dito na opção e, há algo interessante nesta letra, que também está errada. É importante que ao leitor lembre a prática da indeterminação de um substantivo pela omissão do artigo que se lhe empregaria. Escrever Não somos a favor de injustiças sociais não equivale, a rigor, a escrever Não somos a favor das injustiças sociais, visto que o artigo tem o papel distintivo da determinação. Não há, porém, incorreção gramatical ao fazer-se tal mudança. O mesmo ocorre à oração presente na última linha do editorial do periódico pernambucano, ou seja, empregar ou não o artigo definido não torna o período gramaticalmente incorreto. Está errada, portanto, esta última opção.

Gabarito: letra a.

- Caderno lambda:

1.ª Questão) Questões assim, de interpretação textual, não exigem tanto; a resposta está, claro, no texto. O que se tem de fazer é depreender bem as informações nele contidas. A tática de resolução mais lógica e coerente, a meu ver, é a comparação do que é dito em cada opção com o que está presente no texto, após, obviamente, ter-se lido todo ele. Veja-se o que se diz na opção a: nela se afirma peremptoriamente que a Lei do Estágio inibiu a oferta de vagas, por terem aumentado os encargos das empresas. Em nenhuma parte do texto, foi escrito que houve, de fato, inibição da oferta de vagas; o que está escrito é que se levantaram algumas poucas vozes, à época da apresentação da Lei do Estágio, que temiam que o aumento dos encargos às empresas inibisse a oferta de vagas, fato que, em nenhum momento do texto, aparece como concretizado. A letra a está errada por tornar real o temor de algumas poucas vozes. Na letra bê, a afirmação nela contida pode ser confirmada pelo trecho final do texto, em que se diz que a Lei do Estágio “foi saudada, principalmente pelos estudantes, cansados de passar o dia em atividades banais pouco instrutivas ou de trabalharem mais de oito horas diárias, sem décimo terceiro, INSS, FGTS, férias”. Esse trecho revela, evidentemente, a insatisfação da grande maioria dos estudantes com o estágio antes da promulgação da nova lei. Está correta a opção bê. A letra cê afirma, em essência, a informação corrigida da opção a, ou seja, afirma que algumas poucas vozes contrárias, à época da apresentação da nova lei, temiam que houvesse redução da oferta de vagas, ou seja, temiam “que houvesse restrição na contratação de estagiários”. Está correta a letra cê. A letra dê contém uma das informações mais evidentes do texto, presente, por sinal, no discurso do ministro do trabalho, Carlos Lupi, que afirma que o maior objetivo da nova lei é “proporcionar a milhões de jovens estudantes brasileiros os instrumentos que facilitem sua passagem do ambiente escolar para o mundo do trabalho”. Está correta a letra dê. A letra e contém, semelhantemente, uma informação que está bastante clara no texto; basta recorrer ao segundo período do terceiro parágrafo, em que se diz que “entre elas [as mudanças e as normas], destacam-se a limitação da jornada diária para seis horas, ...”. É evidente, portanto, que a letra e está correta.

Gabarito: letra a.

2.ª Questão) Esta questão, também simples, exige de quem a resolve conhecimentos de concordância verbal, de análise sintática e de referentes semânticos dentro de um texto. A letra a afirma basicamente a regra de concordância de verbo antes de sujeito composto, que diz que o verbo concorda com o núcleo mais próximo (concordância atrativa), ficando no sigular, ou com todos os núcleos (concordância lógica), indo ao plural. Então, no texto, o emprego da forma singular destaca-se não acarretaria incorreção de concordância verbal; é, portanto, igualmente correto empregar a forma singular. Está correta a letra a. A letra bê afirma que o referente semântico do sujeito elítico ela, que faz concordar no feminino a locução foi saudada, é oferta de vagas, o que não é verdade, pois a referência se faz, em verdade, a nova lei, termo que inicia o último parágrafo. Está errada a opção bê. A letra cê está correta; é fácil perceber, pela flexão verbal no feminino do particípio, que Promulgada em setembro de 2008 se refere a a nova Lei do Estágio. Quanto ao que se afirma na letra dê, o termo Carlos Lupi é, de fato, aposto explicativo, pois, tendo valor substantival, retoma intrinsecamente o significado de seu referente ministro do trabalho. Vale lembrar que aposto explicativo é sempre separado por uma ou duas vírgulas, dependendo da posição do termo no período. Se estiver no meio do período, virá entre vírgulas e, se estiver no final dele, aparecerá entre uma vírgula e o ponto que encerra o período. Está, portanto, correta a informação contida na letra dê. A letra e, que está no mesmo nível de simplicidade da opção anterior, afirma que a oração que estágio não é emprego completa o sentido do verbo dizer. De fato, o referido verbo é transitivo direto e tem como complemento direto a oração subordinada supra, transposta, ou degradada, para nível de substantivo (v. Moderna Gramática Portuguesa), que é a classe de palavra que assume a função de termo integrante. A oração é subordinada substantiva objetiva direta e, de fato, integra a transitividade verbal de dizer. Está correta a opção e.

Gabarito: letra bê.

3.ª Questão) Esta é questão que, como algumas anteriores, trata de pontuação, de referentes semânticos etc. Infelizmente, as provas de concurso têm o mau hábito de elaborar série de questões muito parecidas, que, portanto, não demandam conhecimento mais amplo do candidato. Na letra a, há a primeira discussão de morfologia; o verbo pôr e seus derivados são irregulares nos seguintes tempos do indicativo: no presente, no pretérito perfeito, no imperfeito e no mais-que-perfeito. A irregularidade desses verbos transmite-se aos demais tempos que derivam do presente do indicativo e do pretérito perfeito do indicativo, que são chamados tempos primitivos. No imperfeito do indicativo, o verbo dispor conjuga-se assim: dispunha, dispunhas, dispunha, dispúnhamos, dispúnheis, dispunham. Em “O Brasil não dispunha”, o verbo está, obviamente, no pretérito imperfeito do indicativo, e não no presente, como se afirma na opção. Está incorreta a letra a. Na letra bê, discute-se a possibilidade de inserir vírgula entre banais e pouco instrutivas. Este último termo é adjunto adnominal de atividades, núcleo do complemento circunstancial introduzido por em, e ademais é, morfologicamente, adjetivo restritivo, que não pode vir separado por vírgula(s). Como pouco instrutivas não é termo meramente explicativo, o emprego de vírgula implicaria incorreção; seria ainda mais incorreto empregar, como sugere a opção, apenas uma vírgula após o adjetivo banais, pois, entre os dois adjuntos determinantes de atividades, não há coordenação, senão uma ordem de constituintes imediatos (v. Moderna Gramática Portuguesa), que não permitem a sua separação deles por vírgula(s). Está incorreta a letra bê. A letra cê traz uma transgressão inédita (até nisso são criativos os elaboradores de prova de concurso!): dúvidas, como nome transitivo, regendo complemente nominal introduzido pela expressão no sentido em que. Tal expressão introduz, no mais das vezes, adjunto adverbial de modo, e não complemento nominal. O termo que integra o nome dúvida(s) é, em geral, introduzido pela preposição de. Tem-se, portanto, dúvida de algo, e não dúvida em algo ou, ainda mais estranho e errado, dúvida no sentido em que. A opção cê está incorreta. Na letra dê, aparece assunto bastante ventilado nesta prova, que são os referentes semânticos de termos na oração. O pronome possessivo seu refere-se à nova lei, e não ao ministro do trabalho Carlos Lupi. Isso é evidenciado pelo termo que antecede seu maior objetivo, o predicativo fruto de longo trabalho; decerto, o ministro não é o fruto de longo trabalho, mas sim a Lei do Estágio. A letra dê está incorreta. A letra e trata do significado da palavra discussão. Nesse caso, não significa contenda, altercação, mas sim o ato de discutir, de debater. Está correta a opção.

Gabarito: letra e.

4.ª Questão) Pontuação é outro assunto que os concursos não cansam de tratar duas, três, quatro ou mais vezes em uma mesma prova. Sobre a letra a, o emprego de vírgula após a palavra associadas é realmente obrigatório; vale lembrar que, quando se tem oração subordinada adverbial deslocada (seja ela reduzida ou desenvolvida), anteposta à oração principal, se faz obrigatório o uso de uma ou duas vírgulas para isolar a oração transposta. Como a oração subordinada presente no texto está no rosto do período, basta o emprego uma vírgula após a última palavra pertencente à subordinada. Seria também possível outra análise sintática: a oração reduzida de particípio pode ser classificada como adjetiva explicativa, o que também obriga o emprego de vírgula para isolá-la. Seja qual for a análise sintática, a vírgula deve obrigatoriamente aparecer após a palavras associadas. A opção a está correta. Na letra bê, discute-se o emprego de vírgula que isola a oração subordinada adverbial posposta à principal, ou seja, em sua posição mais comum (ordem direta). Sabe-se que, nesse caso, é facultativo o emprego de vírgula; somente o estilo de quem escreve ou a ênfase têm poder para decidir se haverá ou não emprego de vírgula. A letra bê está correta. Em questões do tipo, espera-se que a opção decisiva seja a mais intricada e a que mais exige do candidato; ocorreu, porém, o contrário: a opção cê, a decisiva, é justo a mais simples. Acentuação é assunto que todo candidato tem de saber de cor e discutir sem pestanejar. Os vocábulos estágio e diária são acentuados porque seguem a mesma regra: são paroxítonos terminados em ditongo crescente, também chamado equivocadamente ditongo gráfico por alguns gramáticos. O vocábulo após entra na regra dos oxítonos terminados em a, e ou o, seguidos ou não de s (ex.: , Feijó, alô, Dedé, mongoió, bidê, , Orós etc.). Vale relembrar que são acentuados também os oxítonos terminados em em ou ens (ex.: além, parabéns, aquém, também etc.) e nos ditongos orais abertos eu, ei e oi, seguidos ou não de s (ex.: céu, chapéu, coronéis, dói, lençóis etc.). Então, percebe-se que apenas os dois primeiros vocábulos, estágio e diária, seguem a mesma regra de acentuação, e não os três, como foi dito na opção. Está incorreta a opção cê. A letra dê está correta porque, de fato, o verbo provocar pode assumir mais de um significado; em alguns casos, pode significar dirigir provocações ou insultos, injuriar, e, em outros, pode significar gerar, ocasionar, produzir, que é o significado assumido pela palavra no texto (“... a nova Lei do Estágio ainda provoca [ocasiona, gera] dúvidas entre empresários e estudantes”). A letra e também é bastante simples. A retirada do acento agudo de dúvidas torna este vocábulo, materialmente, verbo flexionado na 2.ª pessoa do singular do indicativo presente, o que, obviamente, faria incoerente o trecho do texto em que aparece. Está correta a letra e.

Gabarito: letra cê.

5.ª Questão) Na letra a, inicialmente, já se percebe um erro: há três orações no período, e não duas, como foi dito. E as três estão ligadas apenas por relação de dependência, porque o período é composto apenas por subordinação. Existe uma oração subordinada adjetiva restritiva, determinante de todas as coisas, e uma oração subordinada substantiva objetiva direta, que integra a transitividade do verbo considera. A oração adjetiva é que nos cercam e a objetiva direta é que nós, ..., estejamos aqui por dádiva da criação divina. A oração principal é, obviamente, a que tem considera por núcleo verbal do predicado verbo-nominal. Está incorreta, portanto, a opção a. A letra bê não iludirá os atentos; a última oração, que é a subordinada objetiva direta já apresentada, tem predicado verbal e apresenta como núcleo deste o verbo estejamos, que (atenção!) é nocional, ou seja, não é verbo de ligação. Essa forma verbal apresenta evidente significação externa, não sendo, portanto, um mero instrumento gramatical. A significação interna, forte nos verbos de ligação, também chamados copulativos, não se apresenta do mesmo modo no verbo supra, que indica o processo verbal de estar materialmente, permanece no espaço que nos cerca, enquanto que o de ligação tem sua significação externa esvaziada, servindo apenas como elo entre o sujeito e o predicativo deste. O verbo estejamos, nesse caso, é intransitivo, visto que, obviamente, a ação de estar não permite transitividade, não passando a um objeto o que (claro) não existe para tanto. Como o verbo em questão é intransitivo, não pode ele estar na voz passiva. A sua voz é ativa, e o termo introduzido pela preposição por (não te enganes!) é mero adjunto adverbial de causa. Está incorreta a opção bê. Na letra cê, exagera-se. A palavra paradoxo não foi empregada com o sentido de antítese. Essa confusão que se faz entre as duas palavras, por sinal, não é nada recente; é possível que ocorra antítese sem haver paradoxo, também chamado de oximoro (vocábulo oxítono, e não paroxítono como querem alguns). Parodoxo é toda antítese que encerra contrassenso, ou seja, uma oposição ideal de conceitos, como, por exemplo, ocorre em “Brás Cubas, parece-me, vivia uma morte plácida” (viver a morte é um baita contrasseno). É importante que não se veja o paradoxo como um defeito de estilo por apresentar tal figura de pensamento um contrassenso ou um choque de idéias excludentes; em verdade, é recurso estilístico muito apreciado por vários escritores consagrados, clássicos ou contemporâneos. A antítese é qualquer aproximação de signos opostos, havendo ou não contrassenso; é, portanto, um conceito mais abrangente. A palavra paradoxo foi empregada, no texto, em seu sentido próprio, ou seja, o de contrassenso, e não como mero contraste antitético. Está incorreta a opção cê. A letra dê poderia ser marcada sem que o candidato tivesse sequer lido as demais opções; eis uma máxima, repetida quase ipsis litteris no texto. Não há dúvida de que a opção dê é a correta. Na letra e, o verbo residir, na acepção de consistir, é transitivo indireto e tem complemento indireto introduzido pela preposição em, que, no caso, é na relutância. Não tem, portanto, sentido completo o verbo em questão, exigindo objeto indireto que integre sua significação gramatical. A opção e está incorreta. Saindo um pouco do comentário desta questão, vale a pena, no entanto, discutir a transitividade do verbo residir na acepção de morar, viver, fixar residência. Será que, em orações do tipo Joaquim reside na rua onde morou sua tia, o verbo residir é intransitivo? É um questionamento que lanço ao leitor e com que a gramática escolar, infelizmente, se vê às voltas, não sabendo de onde tirar uma resposta coerente. Para não avolumar o texto com um assunto que não diz respeito aos comentários das questões, deixo ao leitor a tarefa de classificar o termo introduzido pela preposição em e o referido verbo quanto à transitividade.

Gabarito: letra dê.

6.ª Questão) Esta questão não se distancia, em grau de dificuldade, das demais. A opção a encerra erro claro, facilmente percebido quando se recorre à oração em que aparecem os verbos detém e registra. O sujeito desses verbos é o país. Não haveria justificativa alguma para acreditar que o sujeito dos dois verbos é indeterminado; basta lembrar que, para haver indeterminação do sujeito, formalmente, o verbo tem de estar na terceira pessoa do plural, não havendo referente algum, no texto, que possa ser um possível sujeito anteriormente expresso, ou, não sendo transitivo direto, tem de estar na terceira pessoa do singular, seguido da partícula se, chamada índice de indeterminação do sujeito. Como não ocorre nem um desses dois casos e o sujeito está explícito no texto, não há menor possibilidade de haver indeterminação do sujeito. A opção a está, portanto, incorreta. A única opção que trata de tipologia textual, que é a bê, fá-lo de modo pobre, sem mais explorar as características do texto. Não há aspecto algum de narração no texto; ele mais se aproxima da tipologia dissertativa, tanto pela estética, quanto pelo caráter argumentativo. A escritora discute a visão estreita de algumas pessoas quanto à teoria da evolução; explicita o paradoxo segundo o qual, nos Estados Unidos, embora haja tanta expressividade científica, 50% (!) dos estadunidenses acreditam que existem por mero critério religioso, ou seja, descreditam completamente a importância de Darwin para a história de nossa espécie. Está claro, portanto, que não existem aspectos de narração no texto. A opção bê está, portanto, equivocada. A letra cê está evidentemente correta; para confirmar o que nela é dito, basta recorrer à linha 14 do texto. A letra dê traz uma informação absurda. Nela se afirma que a forma plural da terceira pessoa do verbo deter, no indicativo presente, é detem (!). Isso mesmo! Sem acento algum! Do modo como o vocábulo está escrito na opção, ele passaria a ser paroxítono (!). Ora, é evidente que isso não existe nem aqui nem na lua! A forma plural correta é detêm, lembrando que o circunflexo tem o papel de esclarecer qual é a pessoa gramatical do verbo, e não apenas o de indicar a tonicidade do vocábulo. Isso se faz para evitar obscuridade gramatical. A letra dê está evidentemente errada. Sobre o que se afirma na letra e, o esclarecimento vem com a análise do trecho presente no texto. O termo sem precedentes é determinante de grau de conhecimento, com o qual forma sintagma locucional (v. Dicionário de Língüística e Gramática, de Joaquim Mattoso Câmara Jr.). Está errada a letra e.

Gabarito: letra cê.

7.ª Questão) Eis mais uma questão parecida. Nela se discutem aspectos da pontuação, da acentuação gráfica, da semântica etc. Na letra a, afirma-se corretamente que o acento no vocábulo país é obrigatório. A acentuação de país entra na regra do hiato, segundo a qual se acentuam o i ou o u tônicos, sozinhos na sílaba a que pertencem ou seguidos de s, que formam hiato com a vogal da sílaba anterior (ex.: juízes, raízes, baú, saída, destruído, saía [verbo] etc.); existe a exceção que se aplica quando a sílaba posterior à que possui o i ou u tônicos é iniciada por nh (ex.: rainha). A opção a está, portanto, correta. Na letra bê, a expressão O país refere-se a os Estados Unidos da América, e não ao Brasil. Na letra cê, a discussão semântica está equivocada. As palavras resistência, oposição e aversão são sinônimos de relutância, e não antônimos, como foi dito na opção. A letra cê está errada. Quanto ao que se afirma na letra dê, para responder corretamente, basta lembrar que período não é encerrado a gosto de quem o escreve. Encerra-se o período quando uma parte da informação é concluída e há necessidade de, em outro período, introduzir outra dentro de um mesmo assunto. A ideia do primeiro período é a apelação, ou seja, é atrair a atenção do leitor para o que será dito. Logo após, é sensível a pausa que se segue ao fim do período, o que indica que não é possível o emprego de vírgula, que equivale, em princípio, a pausa mais curta que a do ponto. O período seguinte introduz novas informações, que estão dentro do mesmo assunto. Por tudo isso, a informação contida na letra dê não está correta. A letra e afirma que o período em que se destacam as qualidades dos Estados Unidos como potência científica antecipa o que é dito na adversão que se dá no período ulterior. O caráter adversativo dá-se apenas quando se lê o período em que se afirma que metade dos estadunidenses não acredita na teoria da evolução. Não é, portanto, correto afirmar que ocorre antecipação. A letra e está errada.

Gabarito: letra a.

8.ª Questão) É importante perceber que a questão pede apenas a análise ortográfica das palavras; não é necessário analisar a correção das estruturas sintáticas. No item I, grafou-se mal a palavra ancioso. Nela se empregou c em vez de s. Para atentar no erro, basta lembrar que essa palavra é formada por derivação sufixal. O sufixo -oso forma adjetivos a partir de substantivos (ex.: jeitoso [jeit(o) + -oso], gostoso [gost(o) + -oso], manhoso [manh(a) + -oso] etc.); o substantivo de que se derivou o adjetivo ansioso é, obviamente, ânsia, o que indica a presença de s, e não c, na adjetivo derivado. No item II, ocorre um erro muito grosseiro, que se deve à má pronúncia das palavras, ou seja, à corrupção da ortoépia. Esse tipo de erro, a má pronúncia, é um barbarismo chamado cacoépia. Daí provém a cacografia indentidade, presente no item. No item III, não existem transgressões ortográficas, mas sim uma transgressão grosseira de sintaxe de pontuação (a segunda vírgula não existe) No item IV, também não existem cacografias, ou seja, transgressões ortográficas. Então, quanto à grafia das palavas, os dois únicos itens corretos são o III e o IV.

Gabarito: letra e.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Poesia: O Corvo.

Edgar Allan Poe

(Tradução pessoana)

Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,
Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,
E já quase adormecia, ouvi o que parecia
O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.
"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

É só isto, e nada mais."

Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,
E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.
Como eu qu'ria a madrugada, toda a noite aos livros dada
P'ra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

Mas sem nome aqui jamais!

Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo
Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!
Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,
"É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;
Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

É só isto, e nada mais".

E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,
"Senhor", eu disse, "ou senhora, decerto me desculpais;
Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,
Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,
Que mal ouvi..." E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

Noite, noite e nada mais.

A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,
Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.
Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,
E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -
Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

Isso só e nada mais.

Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,
Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.
"Por certo", disse eu, "aquela bulha é na minha janela.
Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais."
Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

"É o vento, e nada mais."

Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,
Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.
Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,
Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,
Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

Foi, pousou, e nada mais.

E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura
Com o solene decoro de seus ares rituais.
"Tens o aspecto tosquiado", disse eu, "mas de nobre e ousado,
Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!
Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais."

Disse o corvo, "Nunca mais".

Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,
Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.
Mas deve ser concedido que ninguém terá havido
Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,
Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

Com o nome "Nunca mais".

Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,
Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.
Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento
Perdido, murmurei lento, "Amigo, sonhos - mortais
Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais".

Disse o corvo, "Nunca mais".

A alma súbito movida por frase tão bem cabida,
"Por certo", disse eu, "são estas vozes usuais,
Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono
Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,
E o bordão de desesp'rança de seu canto cheio de ais

Era este "Nunca mais".

Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,
Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;
E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira
Que qu'ria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,
Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

Com aquele "Nunca mais".

Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo
À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,
Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando
No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,
Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,

Reclinar-se-á nunca mais!

Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso
Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.
"Maldito!", a mim disse, "deu-te Deus, por anjos concedeu-te
O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,
O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,
A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,
A esta casa de ância e medo, dize a esta alma a quem atrais
Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!

Disse o corvo, "Nunca mais".

"Profeta", disse eu, "profeta - ou demônio ou ave preta!
Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.
Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida
Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,
Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!", eu disse. "Parte!
Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!
Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!
Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!
Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!"

Disse o corvo, "Nunca mais".

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

Libertar-se-á... nunca mais!

(fonte: Sítio sobre Fernando Pessoa, mantido por Rodrigo de Almeida Siqueira. Endereço: http://www.insite.com.br/art/pessoa/)

Conto: A Resposta.

A Resposta

Lêdo Ivo

Seu nome era Serafim Costa. Mas nome de quem, ou de que? Na cidade pequena , decerto a sua figura deveria ter se cruzado, muitas vezes, com a do menino fardado, de camisa branca e curtas calças azuis extraídas das velhas casimiras paternas. Ele, o comerciante abastado, talvez comendador, não conhecia o garoto. E este jamais poderia ligar o nome à pessoa. Assim, Serafim Costa era apenas um nome — a belíssima sonoridade de um estilhaço de mitologia, uma flor aérea que, em vez de pétalas, possuía sílabas.

Ele morava no Farol, exatamente onde o bonde fazia a última curva. Os muros brancos, que cercavam o quarteirão, semi-escondiam a casa, também branca, além do jardim que aparecia entre as grades, e em cujos canteiros florejavam espessuras e certas musguentas flores amarelas, e um imenso besouro zoava. A casa era um palacete de dois andares, crivado de sacadas e cegas janelas, e que parecia desabitada. Possivelmente essa incorrigível falsária, a Memória, a pintou, sem tir-te nem guar-te, com a sua branca tinta adúltera, substituindo a verdade nativa, feita de alvorentes azulejos pintalgados de azul, por alguma caprichosa arquitetura rococó. De qualquer modo, de outro lado do muro reto, sem dúvida encimado por afiados cacos de garrafas para impedir o salto dos ladrões, a gente via as copas das mangueiras, cajueiros, palmeiras e outras árvores sob as quais alguns cães esperavam, impacientes, que a rotina bocejante do dia se esfarelasse para que eles pudessem latir, na noite raiada de estrelas, como que lembrando a Serafim Costa — que interromperia por meio minuto o seu sono tranqüilo e patriarcal — as suas presenças vigilantes.

— Aqui mora Serafim Costa devia ter-me dito meu pai, num daqueles crepúsculos em que, de bonde, voltávamos para casa; ele com a sua velha pasta que inexplicavelmente não o acompanhou ao túmulo (o que talvez não o fizesse ser de pronto reconhecido no Paraíso), e nós ainda guardando nos ouvidos o bulício vesperal do instante em que, aberta a porta do grupo escolar, as crianças escoavam para a praça e se perdiam nas escurentas ruas tortuosas.

O palacete branco vulgava riqueza, luxo, secreto esplendor. Além das portas fechadas, das presumíveis estatuetas de mármore, do aroma das dálias, do fino palor dos azulejos, das mudas venezianas, havia decerto um universo de opulência, que a nossa fantasia de meninos pobres mal podia imaginar. A tarde transcurecia; o portão fechado validava-se como o brasão de uma existência que, terminados os diálogos inevitáveis de seu ofício de grande comerciante sempre atarefado e vigilante, suspendia qualquer tráfico com as mesquinharias diurnas, igual a um navio que, após todo o baixo ritual da estiva, readquire a sua dignidade perdida sulcando o mar sem amarras.

Era o palácio de Serafim Costa. E o nome, a magia desse nome que ocupou toda a minha infância, e era o preâmbulo mágico das encantações, demorava-se em mim, solfejando-se no ar eternamente perfumado pelo Oceano. Meu pai, então guarda-livros de um armazém de tecidos, conhecia Serafim Costa, e nos mostrava a sua residência. "Aqui mora Serafim Costa." Não nos nomeava uma forma definida de casa (sobrado, bangalô, palacete); e certo aquela moradia, uma das mais luxuosas da pequena cidade, refugia às denominações irreversíveis. Ignoro se Serafim Costa era alagoano ou um dos muitos imigrantes portugueses que, estabelecidos em Maceió, enriqueceram em tecidos ou em secos e molhados e terminaram comendadores — mas em seu palacete, na exuberância do jardim equatorial, no chão assombrado de árvores enlanguescidas pelo mormaço, havia algo que era a fusão improfundável dos mais faustosos elementos nativos com uma substância remota e avoengueira, como que a reprodução de antiga planta deixada do outro lado do mar e tacitamente reconstruída pela poupança e ambição do imigrante afortunado. Por isso, meu pai dizia aqui, querendo assim significar tudo o que era o império de Serafim Costa: as grades do jardim, os sinuosos canteiros colmeados de folhas e flores, os calangros e insetos, a água espatifada de uma fonte, os familiares que não apareciam às janelas, talvez para não confundir a visão de todos os que, como eu, o imaginavam reinando solitário em sua mansão, sem quinhoar ostensivamente com ninguém o resultado, de sua vida vitoriosa, feita de zelo e siso.

Embora eu não tivesse conhecido Serafim Costa, tornou-se-me familiar aos olhos um dos empregados de seu armazém. Era um velho corcunda, de fiapos brancos na cabeça calva, e devoto. Alguns anos depois, quando já tínhamos deixado de morar no sítio e passáramos a habitar numa rua do centro da cidade, estávamos todos, no sótão, assistindo à passagem de uma procissão que enchia a monotonia da tarde de domingo. Súbito, identifiquei na multidão o corcunda velho e devoto, e exclamei:

— Olhe o Serafim Costa!

A exclamação fez espécie a meu pai, que se virou para mim, surpreendido com a notícia. Seu ar era mais do que de dúvida — decerto eu dissera uma heresia, que reclamava pronta corrigenda ou a aura de uma prova irretocável. Com o dedo, apontei o velho corcunda que, de casimira preta na tarde de sol fugidiço, vencia, na aglomeração, os paralelepípedos da rua. Meu pai reconheceu o empregado de Serafim Costa e exclamou, de bom rosto:

— Não é o Serafim Costa — e achou engraçado que eu confundisse o empregado humilde e devoto com o poderoso e mitológico patrão.

E assim ele ficou sendo, para mim, sempre e eternamente, um nome, inatingível figura do ar. Muitas vezes, passeando sozinho pelo sítio ou junto ao mar lampejante, eu repetia esse nome, despetalava-o na brisa como se ele fosse um malmequer, juntava de novo as pétalas das sílabas que cantavam mesmo momentaneamente esquartejadas. Serafim Costa! dizia eu bem alto para que os costados dos navios pudessem devolver-me, em forma de eco, essa primeira lição de poesia, essa infindável soletração do absoluto.

Muitos anos depois, desintegrada a infância, e já envolto numa névoa de estrangeiro, voltei à curva do bonde. Era ali que morava Serafim Costa — o portão fechado era sinal de que ele estava lá dentro, movendo-se possivelmente entre frutas maduras, gatos sonolentos e bojudas porcelanas azuis. Trinta anos se tinham passado desde os dias em que o bonde, na volta da escola, nos fazia ver a misteriosa morada, o universo branco e verde estriado de agudas grades negras e manchas róseas. O invisível Serafim Costa já deveria estar morando, e de há muito, em outra alvacenta morada... Mas parei diante do portão cerrado, espiei o jardim silencioso, os vasos de azulejos, as escadarias de mármore, as altas janelas que pareciam sotéias. E chamei: Serafim Costa!

Chamei a quem, a que? E ocorreu o milagre. O nome ficou suspenso no jardim onde se ocultava uma cobra papa-ovo, depois voou pelos ares, como um pássaro; chocou-se contra os costados dos cargueiros que, no destempo hirto, desembarcavam em Maceió os caixotes das mercadorias encomendadas, do outro lado do Oceano, pelo valimento comercial de Serafim Costa; e, metamorfoseado em eco, voltou de novo aos meus ouvidos, já agora na soberba hierarquia de um nome que não precisa mais de figura ou de anedota; e se tornou para sempre algo sonoro e puro, deslumbrante e enxuto.

E, assim, obtive a resposta.

(fonte: releituras.com)

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Gramática: Prova comentada do concurso do TRE-MA (CESPE) – 2009.

   Recentemente, tive contato com o caderno de questões V do concurso do TRE-MA (CESPE) através de amigo meu, que me pedira que o olhasse. Não sabendo que havia mais questões de Língua Portuguesa nos demais cadernos, acabei comentando somente o caderno supra. Pensava que mudava somente a ordem das questões; não atentara, no entanto, que, obviamente, para cada cargo, haveria diferentes exigências. Prometo, entretanto, que, assim que tiver contato com as questões de português restantes, comentá-las-ei, postando aqui o que escrever sobre elas. Seguem abaixo o endereço que leva à prova e os comentários das questões do caderno de questões V.

• Prova: Caderno de questões V (23/06/09).

• Prova comentada:

1.ª Questão) Na opção a, o pronome se é partícula integrante do verbo pronominal tornar-se; como verbo de ligação, tornar é pronominal, mas, como verbo transobjetivo, aquele que exige complemento direto e predicativo deste, ele não é pronominal. Portanto, o se não exerce função de predicativo do sujeito; tal palavra não exerce função sintática, é mera partícula integrante. Na letra bê, o verbo verificar está na voz passiva sintética (ou pronominal), de modo que a oração seguinte, transposta por que para nível de substantivo, é sujeito paciente. Na letra cê, o se é partícula integrante do verbo cingir-se, que, nesse caso, é usado figuradamente, ou seja, não é usado com sua acepção primitiva de abraçar; não é, portanto, objeto indireto. Na letra dê, a palavra se é, de fato, índice de voz passiva; o sujeito paciente é as propostas de mudanças que a ele dizem respeito. É possível passar o verbo à forma analítica (perifrástica) e perceber melhor que se trata de voz passiva. Atente-se na mudança: "Por isso, inquestionavelmente, as propostas de mudanças que a eles dizem respeito são consideradas reformas eleitorais". Na letra e, ocorre mais um caso de partícula integrante, que é também chamada de pronome fossilizado por alguns gramáticos mais presos à tradição; não é o se, neste caso, índice de indeterminação do sujeito.

Gabarito: letra dê.

2.ª Questão) Nesta questão, o solecismo (transgressão sintática) de concordância está bem explícito. Ele pertence justo à primeira opção. O interessante é perceber que, apesar de o escritor da Folha ter tido esmero louvável com a colocação dos termos na oração e com a sintaxe de regência, pecou feio quando não fez concordar o verbo constituir com o referente semântico do relativo que, que é partidos. O vacilo está, então, em "partidos que constitui", que deveria ter sido escrito "partidos que constituem".

Gabarito: letra a.

3.ª Questão) Eis a primeira questão de Semântica e de Hermenêutica. Na letra a, a informação de que a palavra anêmica foi empregada em sentido conotativo está correta; para perceber isso, é necessário que se saiba que o significado da palavra não é o de origem, aquele que, chamado denotativo, não permite mais de uma interpretação. A conotação representa os matizes semânticos que uma palavra pode assumir, ou seja, representa a possibilidade de uma palavra, por distanciamento do seu significado próprio, assumir valores semânticos diferentes, que tornam o discurso mais rico e expressivo. Na letra bê, está correto afirmar que o Governo monárquico foi, de fato, centralizado, o que o tornou próximo a uma autocracia; D. Pedro I, amparado pelo Poder Moderador, esfera política a que se subordinavam todas as outras, conseguiu impor controle sobre as províncias através de indicações próprias. No texto do Correio Braziliense, por sinal o primeiro jornal do Brasil inteiramente livre de censura, essas informações são confirmadas pelos seguintes trechos: "Consolidou a unidade nacional, mantendo as províncias administradas por presidentes de livre escolha do imperador" e "Chefe supremo da nação e investido do Poder Moderador, a ele incumbia o dever de velar pela manutenção da independência, do equilíbrio e da harmonia dos demais poderes". Na letra cê, está clara a incorreção quando se afirma que havia, na Constituição da Revolução de 30, solidez e que tal carta possuia credibilidade junto ao povo. No texto, têm-se os trechos que provam a falsidade desta opção: "... o Brasil passou a viver clima de instabilidade, refletido na vulnerabilidade daquela que deveria ser a lei mais conhecida, respeitada, amada e defendida pelo povo". Na letra dê, está correto afirmar que a Constituição de 88 não é concisa, o que é provado, no texto, pelo adjetivo prolixa, determinante no sintagma A prolixa Constituição. Prolixo é aquilo que não é conciso, ou seja, que é demasiado estendido. Na letra e, para identificar tal opção como correta, é suficiente recorrer a este trecho do texto: "A de 67, redigida por determinação do presidente Castello Branco, foi estrangulada pela Emenda n.º 1 da Junta Militar".

Gabarito: letra cê.

4.ª Questão) Eu, particularmente, vejo, no texto da questão, muitas deficiências sobre as quais a correção da Sintaxe tem de agir. Almir Pazzianotto Pinto preocupa-se em seguir corretamente as sintaxes de colocação, de regência e de concordância, mas peca quando, várias vezes, não atenta na corrupção do paralelismo sintático; o escritor coordena oração com palavra duas ou três vezes e não se preocupa em manter a clareza do longo enunciado enumerativo através do bom uso da pontuação. Deficiências à parte, seguem as opções comentadas. Quanto ao que é dito na letra a, empregaram-se vírgulas na linha 17 não porque os termos destacados na opção são apostos, mas sim porque são eles termos coordenados. Aliás, eles são núcleos de adjuntos adnominais, e não apostos, como foi dito. Quanto ao que se diz na letra bê, não há fundamento algum na substituição do relativo cujo por o qual. O pronome cujo só se emprega quando há necessidade de referência a termo antecedente através de consequente que estabelece com aquele relação de posse. Atente-se nestes exemplos: "Joaquim, de cuja bicicleta falamos, não pensa em outra coisa senão em pedalar", "O documento, cuja autenticação não fora comprovada, perdeu totalmente a validade". Note-se a relação de pertença que se estabelece entre Joaquim e a bicicleta (a bicicleta de Joaquim) e entre o documento e a autenticação (a autenticação do documento). O relativo o qual equivale a que, mas tem empregos especiais, diferentes dos deste último. Quanto à letra cê, sabe-se que tão logo é locução conjuntiva sinônima de assim que, de modo que não há prejuízo de correção gramatical quando se substitui uma forma por outra. Na letra dê, exemplifica-se o processo dêitico realizado pelos pronomes. Essa classe de palavras tem por função substituir nomes ou mesmo orações inteiras que foram ou serão apresentadas ao leitor. A dêixis é o processo linguístico de apresentar ou definir mostrando. Em "o integram" o pronome oblíquo átono o retoma (anáfora) o antecedente Pacto Republicano. A opção dê está correta. Na letra e, afirma-se que declarar é transitivo indireto, o que não é verdade; tal verbo requer complemento direto, que, no texto, é representado por série de orações e palavras coordenadas. A coordenação de termos de formas distintas corrompe o que é chamado de paralelismo sintático ou de simetria de coordenação. O escritor não atentou nesse detalhe e cometeu esse erro de estilo, que torna o texto, às vezes, pouco claro.

Gabarito: letra dê.

5.ª Questão) Texto muito bem escrito, este de Frei Betto. Sem a perífrase enfadonha de que se valem muitos quando tratam desse assunto, Frei Betto soube contestar visão a que tantos, inconscientemente, se acostumaram. Aquiescer, nesses casos, é um crime cuja gravidade todos deveriam enxergar. Comentários à parte, vamos às opções. Na letra a, diz-se que a crase indicada pela contração à se deve à regência da forma verbal devemos, o que não é correto, pois tal forma verbal não tem significação externa, senão é mero verbo auxiliar. A crase deve-se à locução verbal devemos ir, e não propriamente ao verbo devemos. Essa opção é uma pegadinha muito bem feita pela CESPE; os apressadinhos, que geralmente são desatentos, teimam em errar marcando, com todo a filáucia de sujeito entendido, opções como esta. Quanto ao que se afirma na opção bê, o emprego de primeira pessoa do singular, o que caracteriza pessoalidade textual, confere ao que é escrito subjetividade e aproximação de quem escreve ao tema abordado, ou seja, trata-se justo do contrário do que foi afirmado na opção; portanto, está ela errada. Quanto à letra cê, o advérbio de modo a que se refere o escritor é aparentemente, e não óbvia. Mesmo o leitor descuidado, que não tenha encontrado o referido advérbio de modo, poderia notar que esta opção está errada, porque a forma óbvia só é advérbio numa única circunstância: quando é forma reduzida de advérbio em -mente e está coordenada antes de outro advérbio de mesma terminação (ex.: "Joaquim Damasceno falou obvia e claramente que preferiria lutar a ser escravo."). Como este não é o caso do óbvia que aparece no texto de Frei Betto, só se pode concluir que óbvia é adjetivo, sua classificação original. Esta opção está, portanto, errada. A letra dê é meio frustrante para quem tem conhecimento gramatical um pouco mais sofisticado; pensei que, pela tendência que vinha assumindo a questão, a opção correta apresentasse desafio ao candidato, mas, infelizmente, ela é excessivamente simples. É de conhecimento de quase todo o mundo que já tenha lido, mesmo com pouca atenção, gramática qualquer que porém apresenta sinonímia com entretanto. Esta é, portanto, a opção correta. Na letra e, aparece o caso em que há distinção entre as expressões cerca de, acerca de, a cerca de e há cerca de. Cerca de é usado quando se quer dizer aproximadamente. Ex.: "Cerca de 90% dos parlamentares foram contra a medida que passaria a impedir que seus parentes viajassem de avião, deliberadamente, à custa de dinheiro público". Acerca de é locução prepositiva que equivale a sobre, a respeito de etc. Ex.: "Acerca da celeuma em que se envolveram dois ministros do Supremo, o Presidente não quis ser profundo em seu comentário à mídia televisiva". A cerca de é expressão geralmente usada quando se delimita medida aproximada de tempo ou de espaço, e introduz, no mais das vezes, adjunto adverbial. Ex.: "A casa de Manuelito fica a cerca de 200 metros", "Daqui a cerca de duas horas, iremos à festa de aniversário de tia Esmeraldina". Há cerca de é expressão que indica tempo decorrido de cuja duração não se tem certeza e equivale à expressão há aproximadamente. Ex.: "Há cerca de dois meses, a família Silva comprou uma casa no bairro José de Alencar". Pelo que se conclui dessa distinção, a opção e está errada.

Gabarito: letra dê.

6.ª Questão) Outro texto muito bem escrito por Frei Betto. A questão trata de pontuação. Vamos às opções. No que se refere à letra a, é importante saber quando e para que empregar ponto-e-vírgula. Esse sinal de pontuação gera muita polêmica desmedida e sem razão; para os que não têm segurança ao empregá-lo, ele é de somenos importância. O uso do ponto-e-vírgula nao é o bicho-papão que pintam por aí. Existe uma regra primeira que diz que só se usa esse sinal para separar orações coordenadas, e nunca orações que são apenas subordinadas. As particularidades vão, então, aparecendo: o ponto-e-vírgula é usado para separar termos coordenados muito extensos e para, consequentemente, evitar confusão e carência de inteligibilidade; o referido sinal também é usado para separar as alíneas de uma lei e os considerandos que constituem o preâmbulo de decreto, de portaria, de acórdão etc.; também se usa ponto-e-vírgula para separar várias orações coordenadas que possuem, em seu interior, termos separados por vírgulas; o sinal é empregado para separar elementos de uma enumeração qualquer; e, por fim, emprega-se ponto-e-vírgular para separar orações coordenadas que constituem uma distribuição. Na letra a, ocorre erro quando se afirma que o ponto-e-vírgula separa orações tão-só subordinadas; no texto, esse sinal está separando termos coordenados que não são sequer todos oracionais. Quanto à opção bê, houve, de fato, elipse de teve como paradigma; esse recurso é indicado pelo emprego de vírgula, embora não seja necessário que sempre se use vírgula para indicar esse tipo de elipse. Quanto ao que se afirma na letra cê, o emprego de vírgula justifica-se pela coordenação de termos, que, nesse caso, são predicativos do sujeito, e não apostos. Na letra dê, afirma-se que a oração separada por vírgula é adjetiva restritiva, o que não é verdade; a oração subordinada é, em verdade, adjetiva explicativa, ou seja, traz informação extra sobre o termo crise, a qual pode ser omitida sem grande prejuízo de entendimento. A letra dê está, portanto, errada. A opção e é totalmente absurda; não há, no período em que se encontra a expressão desigualdade social, sequer uma oração reduzida de gerúndio, que, por sinal, não é, por si só, critério peremptório para o emprego de vírgula.

Gabarito: letra bê.

7.ª Questão) É comum, em provas de concurso, dar ao candidato o papel momentâneo de revisor textual, o que é ótima estratégia para racionalizar a escrita e aprimorar a percepção de quem escreve. O único trecho que está gramaticalmente correto e apropriado para compor um documento oficial é o da opção e. Os demais, além de possuírem muitas transgressões gramaticais, pecam pela inadequação vocabular, ou seja, pelo emprego de palavras e expressões que não podem pertencer a um documento oficial. São indícios de inadequação vocabular: rapidinho, matutando etc. Há solecismos de pontuação nos trechos das letras bê e cê. Há flexão equivocada de infinitivo na letra cê. Na letra dê, há erros de regência verbal e de colocação pronominal.

Gabarito: letra e.

A imagem de cabeçalho é montagem de algumas obras do pintor belga Jos de Mey.