O patético caso de engasgo
Gustavo Henrique S. A. Luna
Há meses a campainha desta casa pifou. Era uma daquelas bem vagabundas que sequer se ligam à rede elétrica, funcionando à pilha mesmo. Desde então, atender a quem quer que nos venha visitar ficou um pouquinho complicado. Ninguém escuta quem bate. O vestíbulo da casa é extenso e, como fica todo o mundo socado em seus quartos, há sempre aquela apreensão, ao mínimo ruído metálico, de que estejam batendo no portão. Derrubam um caneco pela área do alpendre e já tem gente saindo do quarto e gritando que há alguém à porta. Um dia desses, em rara e felizmente efêmera ocasião, uma araponga resolveu figurar próximo ao rio, perto de casa. Esse episódio foi um inferno e, por infeliz coincidência, houve visitas, evidentemente não atendidas. Todo o mundo se conformara.
— “É a droga da ave!”.
Hoje mesmo fui surpreendido pensando num blefe. Alguém realmente batia. Talvez por polidez, fazia com suavidade fora do comum, como se temesse danificar a estrutura metálica. Achei que fosse qualquer outra coisa, exceto alguém no portão. A apreensão me fez verificar. Era uma senhorinha com um cachorrinho nos braços. Um cãozinho castanho, de pelagem rala, da raça Pinscher. Ela, com os olhos molhados, me perguntava se o meu avô estava. Referia-se a meu pai. Antes que fosse chamá-lo, ela passou a explicar que havia um cão engasgado com um osso, mas não me disse assim, na lata. Foi uma novela para esclarecer a situação. A fala atrapalhada dava a entender que o cão em apuros não fosse o que ela trazia consigo. Enrolava, se confundia, tentava retomar o raciocínio, mas voltava a se atrapalhar. “O meu sobrinho saiu… Ele ‘tá engasgado… Eu ‘tou sozinha, e ele ‘tá demorando demais. O pobrezinho vai morrer. É porque tem um cachorrinho…”. Desse modo começou a contar a história. De imediato, antes de ela enredar o caso do animal, interrompi e perguntei onde estava o sobrinho, pensando que fosse ele quem corria risco de vida. A referência distante ao cachorro me acerou um tantinho de impaciência.
— “E onde está o cão, minha senhora?”.
— “É este aqui.”
E o animal imóvel, com os olhos arregalados, quase sem evidenciar respiração. Havia me dito que não conseguia retirar o osso sozinha. A moribundez no olhar do bicho me chamava a atenção. Pedi que ela segurasse as patas e o tronco, enquanto me arriscava a retirar osso. Deu certo. E, no mesmo instante, a resposta de vida meio insólita: o animal se agitou, escapuliu dos braços da velha, saiu correndo, latindo, como se nada lhe houvesse acontecido.
— “E a senhora é muito apegada a ele?”.
— “Não muito. Meu irmão comprou hoje e deu de presente a Juninho.”.
Fui então saber se ela não queria entrar e tomar uma água para tentar se acalmar um pouco. Os olhos molhados e meio avermelhados, de quem já chorou tudo que tinha de chorar.
— “E por que a senhora está chorando?”.
Franziu a testa. Demorou a responder, repetindo o copo d’água. Bebia com sofreguidão. Mas a feição era de placidez.
— “Não ‘tou chorando, meu filho. É conjuntivite.”.